quinta-feira, 3 de setembro de 2015

UM DRAMA DE FÉ – CATHERÍNE DE HUECK DOHERTY


 

ERA SIMPLESMENTE UM DAQUELES DIAS, SEM DÚVIDA;- FRIO, TEMPESTUOSO, COM TERMÔMETRO CAINDO COM UMA VELOCIDADE ESPANTOSA PRINCIPALMENTE PARA NÓS, MEMBROS DA PRIMEIRA CASA DA AMIZADE CANADENSE QUE, COMO MUITAS DE NOSSAS CASAS, ERA UMA CONSTRUÇÃO DE ESTRUTURA FRÁGIL, ABERTA A TODOS OS CAPRICHOS DO TEMPO. TINHA UM GRANDE AQUECEDOR TIPO QUEBEC BEM NO MEIO DE NOSSA BIBLIOTECA E DA SALA PRINCIPAL DE TRABALHO. 

AQUELE AQUECEDOR COMIA CARVÃO COMO UM HOMEM FAMINTO COME PÃO. ESPALHAVA UM INTENSO CALOR EM UM RAIO DE MAIS OU MENOS UM METRO A UM METRO E MEIO, DEIXANDO OS CANTOS EXPOSTOS AO VENTO MAIS FRIO DO QUE NUNCA. HAVIA TAMBÉM UM GRANDE FOGÃO, QUE EXIGIA MAIS CARVÃO. ERA USADO PARA COZINHAR AS REFEIÇÕES TRÊS VEZES AO DIA E ESPALHAVA POUCO CALOR. OS VISITANTES ERAM MUITOS DURANTE AQUELE INVERNO SEVERO, NO INÍCIO DO TEMPO DA DEPRESSÃO. VINHAM ÁS CENTENAS, O QUE NÃO NOS AJUDAVA EM NOSSO PROBLEMA DE AQUECIMENTO! 

SIM, ERA UM DAQUELES DIAS, E O AQUECEDOR CONSUMIA VORAZMENTE. O COZINHEIRO TINHA ACABADO DE NOS INFORMAR QUE TINHA CARVÃO SOMENTE PARA MAIS DUAS REFEIÇÕES. DUVIDAVA MUITO QUE HAVERIA CARVÃO SUFICIENTE PARA O GOGÃO E O AQUECEDOR. MOSTROU-NOS SUA ÚLTIMA PORÇÃO DE CARVÃO, QUE TINHA JUNTADO CUIDADOSAMENTE DO DEPÓSITO E QUE SERIA TUDO- E QUERIA SABER O QUE EU PROPUNHA FAZER EM RELAÇÃO A ISTO!

UNS 70 PARES DE OUVIDOS OUVIRAM ESTA PERGUNTA COM UM INTERESSE PESSOAL. ERAM OS VISITANTES, OS QUAIS CHAMAMOS DE IRMÃOS CRISTOVÃO. OUTRAS PESSOAS OS CHAMAM DE VADIOS E PEDINTES. CRIARAM UM HÁBITO DE PASSAR OS DIAS EXTREMAMENTE FRIOS NA CASA DA AMIZADE LENDO, CONVERSANDO, FUMANDO OU SIMPLESMENTE SENTADOS QUIETOS E SABOREANDO O AQUECIMENTO E A COMODIDADE DO LUGAR. NOSSA CASA ESTAVA SEMPRE ABERTA PARA ELES E TINHAM SEMPRE A CERTEZA DE ENCONTRAR LÁ ALGUM VELHO AMIGO DEIXADO EM CALGARY, HALIFAX OU EDMONTON, ESPERANDO PARA APROVEITAR A PRÓXIMA CHANCE DE PEGAR CARONA NOS TRENS DE CARGA, SEM SER PEGO PELA POLÍCIA. 

SIM, A NOTICIA DE QUE NÃO TÍNHAMOS CARVÃO SE ESPALHOU RÁPIDO, ERA UM CASO DE IMPORTÂNCIA VITAL PARA TODOS NÓS. – NENHUM CARVÃO, NENHUM AQUECIMENTO, NENHUMA COMIDA. E O QUE IRIA FAZER A ESTE RESPEITO? NOSSA CONTA BANCÁRIA NÃO TINHA FUNDO SUFICIENTE NEM PARA COMPRAR UMA PORÇÃO PEQUENA DE CARVÃO, QUANTO MAIS UMA OU MESMO MEIA TONELADA, QUE O CASO DE EMERGÊNCIA EXIGIA. 

A ORAÇÃO ERA A ÚNICA RESPOSTA QUE CONHECIA, UMA ORAÇÃO DE FÉ E EM SUA DIVINA PROVIDÊNCIA. ENTÃO, DEVAGAR, MAS COM CLAREZA, DISSE AO COZINHEIRO E AOS IRMÃOS PRESENTES QUE TERÍAMOS QUE PEDIR A DEUS PELO CARVÃO, PEDIR SIMPLES, HUMILDEMENTE, COM COMPLETA FÉ, ACRESCENTANDO UMA PEQUENA OBSERVAÇÃO QUE, POR CAUSA DESTA EMERGÊNCIA E DA TEMPERATURA ABAIXANDO, PRECISÁVAMOS DO CARVÃO HOJE, ANTES DAS 4 HORAS DA TARDE. A PORÇÃO DE CARVÃO NÃO DURARIA MAIS DO QUE ISTO. ASSIM QUE COMECEI A FICAR DE JOELHOS PARA REZAR E O COZINHEIRO TAMBÉM,(UM NÃO CATÓLICO), MAS JÁ TREINADO EM NOSSAS ORAÇÕES;- UM BARULHO DE CADEIRAS SENDO ARRASTADAS ANUNCIAVA A TODOS OS IRMÃOS CRISTOVÃO, NÃO IMPORTANDO QUAL FOSSE SUA FÉ, ESTAVAM PRONTOS PARA PARTICIPAR CONOSCO. 

DE REPENTE, UMA VOZ PROFUNDA E ZOMBETEIRA SE FEZ OUVIR, DESAFIANDO MINHA COLOCAÇÃO SOBRE  PEDIR A DEUS. DIZIA PARA TODOS PARAREM COM ESTA TOLICE DE ORAÇÃO. TODOS EM MENTE SÃ SABIAM QUE A RELIGIÃO ERA O ÓPIO DO POVO E NADA MAIS. PERCEBI UMA VEZ MAIS QUE TÍNHAMOS UM IRMÃO COMUNISTA EM NOSSO MEIO. 

SEM PRESTAR ATENÇAO EM SUA CONTÍNUA INVESTIDA, AJOELHEI-ME E EM VOZ ALTA REZEI UM PAI-NOSSO, UMA AVE-MARIA E UM GLÓRIA;- ENTÃO LISTEI NOSSAS NECESSIDADES AO ESPÍRITO SANTO, O PAI DO POBRE. ACRESCENTEI UM CURTO LEMBRETE A MARIA, SUA ESPOSA, SOBRE A HORA FATAL – 4 HORAS! DEPOIS SENTEI-ME EM MINHA ESCRIVANINHAE CONTINUEI COM MINHAS CARTAS. O COZINHEIRO VOLTOU PARA A COZINHA. E TODOS OS QUE TINHAM REZADO COMIGO, RETORNARAM PARA SUAS CARTAS E CONVERSAS. 

NOSSO AMIGO COMUNISTA NÃO DEIXARIA QUE ISTO FICASSE ASSIM. TUDO BEM, DISSE EM VOZ ALTA, TODOS REZARAM PARA UM DEUS QUE NÃO EXISTE. ENTÃO ELE FICARIA ATÉ AS 4 HORAS PARA TESTEMUNHAR NOSSA COMPLETA DERROTA E DIVERTIR-SE QUANDO AQUELA PRAGA DE CARVÃO NÃO CHEGASSE. TAMBÉM FICARIA DE OLHO EM MIM, PARA VER SE EU NÃO TELEFONARIA PARA ALGUM BENFEITOR PARA PEDIR COMBUSTÍVEL.

E CONTINUOU. ERA HORA DE CURAR O POVO DE TODA A TOLICE. EU JÁ ESTAVA PERDIDA, NATURALMENTE. MAS ELE ODIAVA VER ESTES HOMENS BONS (TODOS MEMBROS DO PROLETARIADO OPRIMIDO), SEREM TÃO CEGOS E ENGANADOS PELA MINHA TOLA FÉ EM ALGO QUE NUNCA EXISTIU E JAMAIS EXISTIRIA.

OUVI EM SILÊNCIO TUDO O QUE TINHA A DIZER E ENTÃO PERGUNTEI A ELE O QUE SENTIRIA E O QUE FARIA SE O CARVÃO CHAGASSE A TEMPO! (ISTO ERA COMPLETAMENTE POSSÍVEL DE ACONTECER NA CASA DA AMIZADE ONDE UMA CENTENA DE EMERGÊNCIAS, INCLUINDO AS TRÊS REFEIÇÕES DIÁRIAS, ERAM MILAGROSAMENTE PROVIDENCIADAS TODOS OS DIAS).

 

PENSOU NA MINHA PERGUNTA POR UM INSTANTE E DISSE QUE, SE ISTO ACONTECESSE, ELE EXAMINARIA O ASSUNTO RELIGIÃO E DEUS, COM A MENTE MAIS ABERTA POSSÍVEL. A SITUAÇÃO, DESTA FORMA, EQUIVALIA A UMA PROMESSA PÚBLICA. PELO PERÍODO DE UM OU DOIS MINUTOS REINOU UM SILÊNCIO MORTAL  O TIC-TAC DE NOSSO VELHO RELÓGIO DE PAREDE PODERIA SER OUVIDO COMO UM SINO. ASSIM TODOS MAIS UMA VEZ, VOLTARAM PARA O QUE ESTAVAM FAZENDO – TODOS MENOS EU. FIZ UM PRETESTO DE ESTAR ESCREVENDO. MAS TUDO O QUE EU PODIA OUVIR NAQUELE ZUMBIDO DE CONVERSA ERA O TIC-TAC DO RELÓGIO. TERIA SIDO PRESUNÇOSA DEMAIS? TERIA ULTRAPASSADO OS LIMITES EM MOSTRAR MINHA CERTEZA INTERIOR DE QUE DEUS E NOSSA SENHORA OUVIRIAM NOSSA SIMPLES ORAÇÃO E A ATENDERIAM ANTES DAS 4 HORAS? PODERIA FAZER ISTO – MARCAR HORA PARA A PROVIDÊNCIA DE DEUS? 

ESTES PENSAMENTOS DANÇAVAM UM FANDANGO DENTRO DE MINHA CABEÇA. COM TODO CORAÇÃO DESEJAVA IR A IGREJA NA ESQUINA E CONVERSAR COM DEUS SOBRE ESTA SITUAÇÃO INESPERADA. MAS ISTO EU NÃO FARIA. NÃO. NOSSO AMIGO COMUNISTA SUSPEITARIA QUE EU FOSSE PEDIR OU COMPRAR O CARVÃO. NÃO. TINHA QUE FICAR SENTADA, ERETA. TINHA QUE PARECER DESPREOCUPADA. 

DEVAGAR, NO INÍCIO, DEPOIS MAIS DEPRESSA, MAIS DEPRESSA, COMECEI A FAZER ATOS DE FÉ. IMPLOREI A MARIA PELO CARVÃO, NÃO SÓ POR CAUSA DE NOSSA NECESSIDADE DE CALOR E COMIDA, MAS TAMBÉM PORQUE A ALMA DE UM HOMEM ESTAVA ENVOLVIDA. E DURANTE TODA MINHA ORAÇÃO SILENCIOSA O VELHO RELÓGIO MARCHAVA, BATENDO SEUS AMÉNS. 

O ALMOÇO TROUXE UMA DIVERSÃO BEM-VINDA. ATÉ MESMO LAVAR OS PRATOS AJUDOU. ERAM 2 HORAS. VOLTEI PARA A MINHA ESCRIVANINHA -  EM SILÊNCIO, COM UM POUCO DE MEDO, PORÉM, ACREDITANDO.  

TRÊS HORAS. TRÊS E VINTE. OS ÚLTIMOS VESTÍGIOS DE CARVÃO FORAM PARA O AQUECEDOR. O FOGÃO JÁ ESTAVA FRIO. DA COZINHA UMA DESAGRADÁVEL CORRENTE DE AR FRIO COMEÇAVA A SER SENTIDA. O COZINHEIRO VEIO PARA A BIBLIOTECA, CUIDADOSAMENTE FECHANDO A PORTA DA COZINHA. SEU JANTAR ESTAVA TODO PREPARADO, MAS NÃO TINHA FOGO PARA COZINHÁ-LO.

TRÊS E TRINTA E SETE. QUINZE PARA AS QUATRO. DEZ. O COMUNISTA RIA E COMEÇOU A DISCURSAR PARA A MULTIDÃO DE HOMENS CALADOS E MOROSOS. MEU CORAÇÃO ESTAVA PESADO E MINHA ALMA EM ESCURIDÃO POR ALGUNS MOMENTOS. NATURALMENTE TINHA SIDO PRESUNÇOSA. 

CINCO PARA AS QUATRO, TRÊS. A VOZ DO ORADOR TORNOU-SE UM SOFRIMENTO PARA MEUS OUVIDOS E MINHAS LÁGRIMAS ESTAVAM PRESTES A CAIR. 

UM MINUTO PARA AS QUATRO – E A PORTA DA FRENTE ABRIU-SE COM UM PONTAPÉ! UM HOMEM DE ROSTO SUJO COM UM PAPEL SUJO EM SUAS MÃOS SACUDIU A NEVE DOS PÉS E VIGOROSAMENTE PERGUNTOU SE ALI ERA A CASA DA AMIZADE. TINHA, DISSE ELE, ORDENS PARA ENTREGAR UMA TONELADA DE CARVÃO! ALGUÉM FICASSE ESPERTO E O AJUDASSE A COLOCÁ-LO NO LUGAR, POIS ELE NÃO TINHA O DIA INTEIRO PARA FAZÊ-LO. 

O VELHO RELÓGIO BATEU QUATRO VEZES. NUNCA ESTA VELHA VOZ SECA E ROUCA TINHA FEITO TANTA MÚSICA EM MEUS OUVIDOS. NENHUM OUTRO SOM FORA OUVIDO. NINGUÉM SE MOVEU. O HOMEM DO CARVÃO FICOU PARADO E OLHANDO, ESPANTADO COM A QUALIDADE DO SILÊNCIO QUE SAUDOU SUA REQUISIÇÃO APAIXONADA. TENHO CERTEZA DE QUE PARECÍAMOS SURDOS E MUDOS PARA ELE. 

DE REPENTE, COMO QUE UM TOQUE DE CLARIM, TODOS SE MOVIAM, FALANDO ALTO, INDO E VINDO PARA AJUDAR A CARREGAR A TONELADA DE CARVÃO PARA O DEPÓSITO QUE TÍNHAMOS CONSTRUÍDO NOS FUNDOS. 

QUANDO O CARVÃO ESTAVA LÁ DENTRO E ESTÁVAMOS A SÓS, O AGORA SILENCIOSO COMUNISTA E EU SENTAMOS E NOS OLHAMOS. DEVAGAR, ELE SE LEVANTOU, OLHOU NO CRUCIFIXO DIANTE DO QUAL SEMPRE TEMOS UMA VELA ACESA E DISSE, DISTINTA E CLARAMENTE;- NAZARENO, VOCÊ VENCEU DE NOVO. 

RECENTEMENTE RECEBI UM CONVITE PARA UMA ORDENAÇÃO. NÃO PODERIA IR PORQUE ERA MUITO LONGE. DE QUALQUER FORMA, SERIA MUITO CARO IR ATÉ LÁ. MAS FUI EM ESPÍRITO. A OCASIÃO ERA A ORDENAÇÃO DO HOMEM QUE NÃO ACREDITOU QUE DEUS PODERIA MANDAR CARVÃO PARA SUAS CRIANÇAS FRIORENTAS E CANSADAS DA PERIFERIA DE TORONTO. ALELUIA!!!!!!!!

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