terça-feira, 17 de abril de 2018

A RÚSSIA NA CRUZ - CATHERINE DE HUECK DOHERTY


            A peregrina era uma senhora idosa. Sendo outono, ela estava vestida com uma grossa saia preta feita a mão e uma blusa de lã. Nos pés tinha sapatos de couro feitos em casa e em seu ombro trazia um xale. Também usava um parka russo (um tipo de casaco), com lã de carneiro por dentro e coberto por fora com um material de lã pesado e escuro. Em seu peito usava um ícone pequeno, que era o sinal do peregrino. Tinha seus sessenta anos. vinha de um santuário de Nossa Senhora e estava a caminho de sua casa, a uns 110 km. Da nossa.
            A sala em que estávamos sentados era iluminada com luzes de querosene. Um clarão de fogo estalava na lareira. Nossa família e os empregados estavam todos sentados em volta da peregrina, ouvindo seu conto. Eu absorvia toda palavra com um coração que martelava em minhas costas. Ela nos contou sobre suas viagens e sobre a bela recepção que teve naquele lugar sagrado, a alegria que sua alma experimentou, a paz que teve. Daí continuou a contar que na volta tinha que passar por uma grande floresta. E foi isso o que nos contou.
            As florestas são lugares lindos, pois muitos santos nos tempos de outrora se escondiam nelas para evitar perseguições. Como vocês todos sabem, quando sua alma está em paz e o silencio de Deus reina em seu coração, todo o seu ser muda sob seu santo toque. Seus ouvidos podem ouvir as árvores louvando a Deus e as flores e grama bendizendo-o. e se você chorou por seus pecados e os de seus irmãos e se rezou para que o mundo todo venha a conhecer  a Deus e amá-lo, então Deus lhe concede a graça de ouvir coisas selvagens falarem sobre Ele- uma com as outras. Assim, as florestas são realmente lugares abençoados.
            Mas, como todos os cristãos sabem, as florestas também são lugares perigosos. Pois o príncipe do mal e seus anjos também gostam das florestas. Um cristão seria um tolo se não se benzesse 3 vezes antes de entrar numa floresta. E é bom também segurar um ícone quando atravessar uma floresta no crepúsculo ou durante a noite, invocando os nomes de Jesus e sua mãe Maria.
            Assim fiz antes de entrar na floresta da qual estou falando. Não tinha medo. A paz de Deus e seu silencio estavam comigo, pois havia chorado nos lugares sagrados pelos meus pecados e os pecados do mundo. Mas, mesmo assim, fiquei um pouco desconfortável quando caminhava nas profundezas da floresta. Senti com todo o meu ser que naquele momento o Senhor estava permitindo as forças do mal habitarem naquela floresta. Então, repetia os nomes de Jesus e Maria constantemente.
            Mas os caminhos de Deus não são os dos homens, como todos sabem do livro de Jó. Deus permitiu que ele fosse tentado. O mesmo aconteceu comigo. Pois, antes que soubesse, ouvi as árvores cochicharem entre si. Embora a noite estivesse calma, havia algo como um vento no meio delas. Estavam cochichando com medo e tremiam com a chegada do mal. Percebi que as criaturas selvagens da floresta começaram a fugir e se esconder. Comecei a me benzer, pois o sinal da cruz é poderoso contra o mal.
            A estrada se curvava um pouco. Logo após a curva estava diante de mim um homem! Não gostei de seus olhares. Mas o que poderia ele querer de mim uma peregrina? Dinheiro? Não tinha. Nunca levamos dinheiro em peregrinações. Comida? Já havia comido meu pão e o sal e havia muito pouca água em minha garrafa. Assim, não poderia me roubar. Nem o fez. Ele estava indo no mesmo caminho que eu, assim me disse, por isso me acompanhava. Ele não me saudou com o nome de Jesus, mas simplesmente me chamou de vovó.
            Ele me perguntou de onde vinha. Contei-lhe sobre o santuário que tinha visitado. Ele começou a rir e falar com estranha sabedoria que a religião era uma superstição a nós pregada pelos padres para nos conservar pobres e submissos aos ricos. Assim continuou, usando grandes palavras que eu entendia pela metade. Mas o que disse começou a me soar muito bem;- era verdade que nosso povo era pobre e explorado em muitos lugares. Sem perceber – vocês acreditam? Eu o estava ouvindo atentamente. De repente, me pareceu que ele estava dizendo a verdade.
            Então ele começou a falar sobre Nossa Senhora. Ele zombou dela. Mas daí, talvez ele não estivesse zombando tanto dela quanto de nós, que acreditamos que ela deu a luz ao Senhor e permaneceu virgem. Ele disse que isto era idolatria. Só então percebi o que ele estava dizendo! Como sabem, todo peregrino carrega água benta consigo. Não saímos sem ela. Em silêncio, peguei minha garrafa. Estava ficando escuro, assim ele não podia ver o que eu estava fazendo. Joguei água benta nele com o nome de Jesus e da Santa Trindade.
            Agora, vocês podem não acreditar, mas isto é tão verdadeiro quanto o Evangelho;- ele gritou. Contorceu-se e caiu no chão – e desapareceu, como se nunca tivesse estado ali. Mas antes de desaparecer, gritou;- toda a Rússia será coberta com sangue por causa das coisas que eu disse. Milhões pensarão como eu. Haverá choros, gemidos e lágrimas por toda esta terra.
            Vim para vencer e vencerei. E nem o se Deus nem sua Santa Mãe serão capazes de evitá-lo. Suas palavras foram tão terríveis que não tenho vergonha em dizer que caí no chão, desmaiada. Quando acordei, tudo estava escuro e eu estava morrendo de medo. Levantei-me e comecei a andar vagarosamente.
            De repente, havia uma grande luz no caminho e uma jovem, vestida como eu em vestes de peregrinação, com um ícone em seu peito, veio até mim e disse;- NÃO TENHA MEDO. É verdade o que o homem disse, mas ele não era um homem.
            Estas coisas acontecerão para que a Santa Rússia possa ficar na cruz com meu FILHO para redimir o mundo. A única maneira de o mundo ser redimido é através do sofrimento com meu FILHO. NÃO TENHA MEDO.
            Chegará um dia em que, sob o sinal de meu FILHO, guiarei a Rússia para mostrar a face de meu FILHO para o mundo.
            Depois ELA também desapareceu e eu vi as luzes do vilarejo. Esta história nos foi contada por uma peregrina;- ouvi quando tinha 9 anos de idade. Podem ou não acreditar, naturalmente, mas foi deste modo que nos foi contada, em nossa casa, diante da lareira, há tantos anos atrás.

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