terça-feira, 3 de novembro de 2015

UMA MULHER, UMA CRIANÇA E O NATAL;- CATHERÍNE DE HUECK DOHERTY



            SEUS OMBROS ERAM MAGROS E CURVADOS, COMO OS DE UM HOMEM QUE NUNCA EM SUA VIDA TINHA TIDO UM CASACO PARA PROTEGER-SE DOS VENTOS CORTANTES. ELE ERA COMO ALGUÉM QUE TIVESSE SEMPRE TENTADO SER ESTREITO PARA QUE HOUVESSE MENOS ESPAÇO PARA O VENTO RONDAR.
            SEU ROSTO ERA LONGO, MAGRO E COMO QUE TRANSPARENTE. SEUS OLHOS ERAM VAGOS E TERRÍVEIS DE ENCARAR. ERA COMO UM CEGO QUE ESTAVA VENDO. SE FOSSEM OLHADOS DE FRENTE, PODIA-SE VER NAQUELES OLHOS UM VAZIO, COM PROFUNDEZAS AMEDRONTADAS E SEM FIM, EMBORA POUCOS SE PREOCUPASSEM COM ISTO.
            ELE CHEGOU ATÉ O AQUECEDOR NO MEIO DE NOSSA SALA GRANDE. TIRANDO O CHAPÉU, ESFREGAVA DESPREOCUPADAMENTE SUAS MÃOS, QUE ESTAVAM ESTENDIDAS EM DIREÇÃO AO AGRADÁVEL CALOR DO FOGO FORTE. OS HOMENS LEVANTARAM OS OLHOS DE SUAS CARTAS, JORNAIS E REVISTAS. TODOS ACENARAM E SORRIRAM. ELE PARECIANÃO PERCEBÊ-LOS. SIMPLESMENTE FICOU LÁ, VIRANDO SEU CHAPÉU COMO ANTES, CURVANDO SEUS OMBROS MAGROS E AQUECENDO-SE.
            LEVANTEI-ME E FUI ATÉ ELE. PERGUNTEI SE ESTAVA COM FOME. BALANÇOU A CABEÇA DIZENDO QUE SIM, COMO SE ESTIVESSE MUITO CANSADO PARA FALAR. LEVEI-O ATÉ A SALA DE TRÁS, NOSSA COZINHA, E COLOQUEI COMIDA Á SUA FRENTE. ELE SENTOU-SE. COMEU FEROZMENTE COMO ALGUÉM QUE PRECISAVA DESESPERADAMENTE DE COMIDA.
            DEPOIS, SUBITAMENTE, CHOROU COM PROFUNDOS E LENTOS  SOLUÇOS QUE PREDIZIAM AS ÁGUAS VORAZES DE UMA REPRESA QUE ESTÁ POR QUEBRAR. SENTEI-ME. A DOR DE CRISTO ME RODEOU COMO O FEZ DURANTE ANOS. MILHARES COMO ELE QUE TINHAM PASSADO PELA PORTA AZUL TRAZIAM A DOR DE CRISTO PARA MIM, PARA NÓS, PARA QUE PUDÉSSEMOS TIRÁ-LA DELES E PEGÁ-LA PARA NÓS MESMOS. ISTO É O QUE AMAR AO PRÓXIMO QUER REALMENTE DIZER;- TORNAR-SE O SUPORTE DE SUA CRUZ DE DOR, TRISTEZA E NECESSIDADE.
            ENTÃO, TÃO SUBITAMENTE QUANTO COMEÇOU A CHORAR, COMEÇOU A FALAR. A HISTÓRIA QUE ME CONTOU ERA SIMPLES, SÓRDIDA E VELHA, AINDA ASSIM, PUNGENTE, NOVA, CHEIA DE DOR. POIS QUANDO UMA HISTÓRIA ESTÁ CONECTADA COM UM SER HUMANO, COM A VIDA REAL, NUNCA É VELHA, SÓRDIDA OU SIMPLES.
            ELE CASOU-SE MUITO JOVEM. ELA FICOU GRÁVIDA. ELE FICOU COM MEDO DA POBREZA Á SUA VOLTA. ABANDONOU-A. ISTO TINHA SIDO HÁ SEIS MESES ATRÁS. DEPOIS NÃO PODIA VIVER CONSIGO MESMO. VOLTOU PORQUE ELA ESTAVA SOZINHA, JOVEM E SEM DEFESA. EM VOLTA HAVIA A GRANDE DEPRESSÃO ECONÔMICA. NENHUM EMPREGO. ALÉM DISTO, TINHA RETORNADO TARDE DEMAIS. ELA HAVIA DESAPARECIDO SEM DEIXAR RASTRO, PELO MENOS NENHUM QUE PUDESSE SER SEGUIDO.
            DEPOIS DISTO ELE NÃO SE INCOMODOU COM MAIS NADA. TORNOU-SE UMA ESPÉCIE DE MENDIGO, ANDANDO PELAS RUAS, MAS SEMPRE Á PROCURA DELA, SUA ESPOSA ABANDONADA E A CRIANÇA. O BEBÊ DEVERIA TER VÁRIAS SEMANAS DE IDADE.  ONDE ELA ESTAVA? ONDE ELES ESTAVAM NESTA NOITE DE NATAL, A FESTA DOS BEBÊS E MAMÃES? ELE CAIU BRUSCAMENTE, COM A CABEÇA CHEIA DE PEDAÇOS DE PÃO E PASTA DE AMENDOIM, O PRATO DE SOPA PINGANDO SEU CONTEÚDO EM SEU CASACO FINO E EM SUAS MÃOS APERTADAS. É DIFÍCIL OLHAR PARA UM CORAÇÃO NU.
            DEIXEI-O POR ALGUM TEMPO. MAIS TARDE O VI AQUECENDO-SE AO LADO DO FOGÃO. SEUS OLHOS ESTAVAM SECOS DE NOVO. AOS POUCOS O LUGAR FOI SE ESVAZIANDO. ERA NOITE DE NATAL. UM POR UM, O CANSADO E SEM FORÇAS, O VELHO E O MOÇO, O POBRE E DESTITUÍDO – E AQUELES QUE TINHAM SE TORNADO POBRES POR AMOR A ELES – TODOS ESTAVAM INDO PARA A MISSA DA MEIA-NOITE NUMA IGREJA PRÓXIMA.
            O JOVEM COM OS OLHOS VAZIOS NÃO SE MOVIA. DECIDI FICAR COM ELE E PARTILHAR SUA SOLIDÃO E VAZIO. HAVIA SEMPRE A MISSA DA MANHÃ PARA IR. UM CALMO E ESTRANHO SILÊNCIO PAIROU SOBRE NÓS. DESLIGUEI A MAIORIA DAS LUZES E ACENDI AS DA GRANDE ÁRVORE DE NATAL QUE ESTAVA AO LADO DE UMA GRANDE JANELA. O LUGAR PARECIA UM POUCO COM UMA CAPELA, COM SUAS LUZES DE VIGÍLIA E DE NATAL. DEPOIS ACENDI A VELA SOLITÁRIA NA OUTRA JANELA, COMO QUE PARA SAUDAR OS TRANSEUNTES, OUTRO COSTUME DE MEU PAÍS DISTANTE.
            O JOVEM AINDA NÃO SE MOVIA. AOS POUCOS COMECEI O MEU ROSÁRIO. O QUE MAIS PODERIA FAZER DIANTE DO DRAMA SILENCIOSO DA ALMA DE UM HOMEM NESTA NOITE SAGRADA SENÃO ORAR? A NEVE CAIU RÁPIDAMENTE E PESADAMENTE. TRANSEUNTES APRESSADOS ERAM SOMENTE SOMBRAS FORA DO CÍRCULO AQUECIDO DE NOSSA SALA.
            SEM AVISAR, A PORTA SE ABRIU. UMA MULHER COM UM BEBÊ ENROLADO NUM XALE, PAROU COMO UM QUADRO, FLOCOS DE NEVE SOBRE ELA DERRETENDO-SE RAPIDAMENTE COM O CALOR. LEVANTEI-ME PARA SAUDÁ-LA, MAS O JOVEM FOI MAIS RÁPIDO DO QUE EU. ELE TINHA VIRADO E A TINHA VISTO. QUASE MERGULHOU NO ESPAÇO QUE OS SEPARAVA.
            RAPIDAMENTE ELA ESTAVA EM SEUS BRAÇOS. ELE REPETIA O NOME DA MULHER CONTINUAMENTE. O BEBÊ COMEÇOU A CHORAR. DEPOIS TUDO FICOU EM SILÊNCIO.
            A VIRGEM COM A LUZ DE VIGÍLIA TREMELUZENTE EM SUA FACE PARECIA TORNAR-SE VIVA. O SILÊNCIO ERA PROFUNDO. DAÍ OS SINOS DA IGREJA PRÓXIMA COMEÇARAM A ANUNCIAR A BOA NOVA DO NASCIMENTO DE JESUS.
            O HOMEM MAGRO COM OS OMBROS FINOS TINHA ENCONTRADO AQUELA  A QUEM SEU CORAÇÃO PROCURAVA.

            GENTILMENTE FECHEI A PORTA AZUL QUE ELA HAVIA DEIXADO ABERTA EM SUA ÂNSIA DE ENTRAR E FUI PARA A COZINHA TERMINAR O MEU ROSÁRIO. 

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