quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Quem me tocou;- Aleksandr Mien


 
 

            Jesus em sua vida terrena, não possuía (todo o poder no céu e na terra) e, além disso, as pessoas podiam servir de obstáculo para a cura por terem pouca fé e dúvidas.

Vemos nos evangelhos quantas vezes Jesus curava enfermidades olhando para o céu, ou emitindo um suspiro, como que se esforçando para romper uma barreira. Jesus sentia, quase fisicamente, uma energia sair de si. Certa vez aconteceu que, enquanto estava no meio de uma grande multidão, uma mulher acometida de hemorragia tocou ás escondidas na franja de sua veste com a esperança de se curar. Jesus olhou em derredor e disse;- quem me tocou? – Pedro admirou-se de semelhante pergunta;-

            Mestre, estamos no meio de uma multidão de gente que empurra de todo lado, e perguntas quem te tocou?- sim, alguém me tocou, porque senti uma força sair de mim...

Então aquela mulher atirou-se amedrontada a seus pés e confessou que fora ela.- filha –disse-lhe Jesus – foi a tua fé que te salvou. Vai em paz, curada do teu mal.

            Naquela época crucial e irrequieta, como, aliás, em nossos dias, as doenças psíquicas eram bastante difundidas. O antigo testamento quase não as menciona, mas a freqüência com que os evangelhos falam delas faz pensar em uma espécie de epidemia psíquica das multidões. Era particularmente terrível, um tipo curioso de enfermidade mental, uma espécie de obsessão vista por todos como um domínio diabólico. Quem era afetado por tal enfermidade sentia uma duplicação da personalidade, como se alguém estranho e hostil se instalasse nele. O doente gritava com uma voz alterada, falava em nome dos diabos que viviam nele, chegando até a afirmar que hospedava um exército inteiro de demônios.

            Muitos possessos só de vez em quando eram acometidos por ecessos, mas havia outros que jamais retomavam consciência e fugiam das aldeias para lugares ermos. Muitas vezes viviam em sepulcros vazios, e, á noite, o povo aterrorizado ouvia os seus gritos e gargalhadas. Cristo, só com sua própria presença, já exercia influência sobre estes coitados, bastando ás vezes uma única palavra ou um único gesto para libertar a alma dos poderes obscuros que a dominavam. Mas, ao dar vida nova aos doentes, Jesus exigia deles uma mudança interior radical. Os demônios são como parasitas que se desenvolvem no pecado;- por isso, se o recém-curado não era preenchido logo pelo espírito da nova vida, a possesso demoníaca podia restabelecer-se com o dobro da força.

Os contemporâneos de Cristo imaginavam os diabos de modo naturalista, como seres pérfidos, que viviam no deserto. Por conseguinte, para ser entendido, Jesus usava a representação corrente do diabo para falar do perigo de uma pessoa curada recair na doença;- quando o espírito impuro sai do homem, vagueia por lugares áridos em busca de consolo, mas não podendo encontrar nenhum, diz a si mesmo;- voltarei para a morada de onde saí. E, tendo voltado, encontra aquela casa limpa e arrumada. Então vai e convida outros sete espíritos, piores ainda do que ele, e lá se instalam. No final, o estado daquele homem se torna pior do que antes.

            Desde o começo, as vozes que corriam sobre os milagres de Jesus na Galiléia inquietaram os guardiões da lei de Moisés, em Jerusalém. Acabara-se de pôr um ponto final nas perigosas aglomerações de gente na região do Jordão e já era preciso tomar novas providências para salvaguardar a ortodoxia da fé e chamar as multidões ignorantes á razão. Não era a primeira vez que a Galiléia trazia aborrecimentos para a capital;- perduravam ainda na lembrança de todos as hordas dos prosélitos de Judas de Gamala. Afinal, era notório que a gentinha ignorante do norte estava sempre predisposta a acreditar em impostores e charlatães de qualquer espécie.

            Entretanto, ao chegar a Cafarnaum, os escribas mandados pela capital foram obrigados a reconhecer que não era fácil negar a veracidade dos milagres de Jesus. Mesmo assim, não mediram esforços, aplicando-se ao máximo em busca de explicações racionais consistentes para o que acontecia. Na certa, não estavam propensos a crer, como Nicodemos, que Deus pudesse operar por meio daquele reles Galileu... alguns chegaram á conclusão de que Jesus aprendera mágica no Egito;- outros, ao contrário, procuraram convencer o povo de que o Nazareno expulsava os demônios de comum acordo com o príncipe deles, Beelzebu- Talmude- Barajta- shabbat;- não foi difícil expor ao ridículo os inventores de tais elucubrações ardilosas. O que fez foi simplesmente perguntar áqueles escribas como podia um demônio expulsar outro;- não seria aquela uma espécie de luta fratricida que implicaria o fim do poder diabólico? Depois, sem meios termos, acusou seus adversários de blasfemarem contra o Altíssimo, cuja força sempre se encontra na origem das boas obras e, por fim, os repreendeu;- como se consideravam senhores, se não eram capazes de distinguir o bem do mal? Uma árvore se reconhece por seus frutos;- portanto, ou reconheceis que a árvore é boa porque os frutos são bons, ou declarais que a árvore é ruim, se os frutos parecerem ruins. Filhos de serpentes, como podeis pregar o bem, se vós mesmos sois maus? Porque os lábios falam do que transborda o coração...- em resumo, Jesus acertou em cheio. Os teólogos arrogantes foram desmascarados perante o povo todo. A ira deles no auge chegou, e decidiram, em segredo, que era necessário dar um basta á desordem que Jesus semeava.    

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