Jesus em sua vida terrena, não
possuía (todo o poder no céu e na terra) e, além disso, as pessoas podiam
servir de obstáculo para a cura por terem pouca fé e dúvidas.
Vemos nos evangelhos quantas
vezes Jesus curava enfermidades olhando para o céu, ou emitindo um suspiro,
como que se esforçando para romper uma barreira. Jesus sentia, quase
fisicamente, uma energia sair de si. Certa vez aconteceu que, enquanto estava
no meio de uma grande multidão, uma mulher acometida de hemorragia tocou ás
escondidas na franja de sua veste com a esperança de se curar. Jesus olhou em
derredor e disse;- quem me tocou? – Pedro admirou-se de semelhante pergunta;-
Mestre, estamos no meio de uma multidão de gente que
empurra de todo lado, e perguntas quem te tocou?- sim, alguém me tocou, porque
senti uma força sair de mim...
Então aquela mulher atirou-se
amedrontada a seus pés e confessou que fora ela.- filha –disse-lhe Jesus – foi
a tua fé que te salvou. Vai em paz, curada do teu mal.
Naquela época crucial e irrequieta, como, aliás, em
nossos dias, as doenças psíquicas eram bastante difundidas. O antigo testamento
quase não as menciona, mas a freqüência com que os evangelhos falam delas faz
pensar em uma espécie de epidemia psíquica das multidões. Era particularmente
terrível, um tipo curioso de enfermidade mental, uma espécie de obsessão vista
por todos como um domínio diabólico. Quem era afetado por tal enfermidade
sentia uma duplicação da personalidade, como se alguém estranho e hostil se
instalasse nele. O doente gritava com uma voz alterada, falava em nome dos
diabos que viviam nele, chegando até a afirmar que hospedava um exército
inteiro de demônios.
Muitos possessos só de vez em quando eram acometidos por
ecessos, mas havia outros que jamais retomavam consciência e fugiam das aldeias
para lugares ermos. Muitas vezes viviam em sepulcros vazios, e, á noite, o povo
aterrorizado ouvia os seus gritos e gargalhadas. Cristo, só com sua própria
presença, já exercia influência sobre estes coitados, bastando ás vezes uma
única palavra ou um único gesto para libertar a alma dos poderes obscuros que a
dominavam. Mas, ao dar vida nova aos doentes, Jesus exigia deles uma mudança
interior radical. Os demônios são como parasitas que se desenvolvem no pecado;-
por isso, se o recém-curado não era preenchido logo pelo espírito da nova vida,
a possesso demoníaca podia restabelecer-se com o dobro da força.
Os contemporâneos de Cristo
imaginavam os diabos de modo naturalista, como seres pérfidos, que viviam no
deserto. Por conseguinte, para ser entendido, Jesus usava a representação
corrente do diabo para falar do perigo de uma pessoa curada recair na doença;- quando o espírito impuro sai do homem,
vagueia por lugares áridos em busca de consolo, mas não podendo encontrar
nenhum, diz a si mesmo;- voltarei para a morada de onde saí. E, tendo voltado,
encontra aquela casa limpa e arrumada. Então vai e convida outros sete
espíritos, piores ainda do que ele, e lá se instalam. No final, o estado
daquele homem se torna pior do que antes.
Desde o começo, as vozes que corriam sobre os milagres de
Jesus na Galiléia inquietaram os guardiões da lei de Moisés, em Jerusalém.
Acabara-se de pôr um ponto final nas perigosas aglomerações de gente na região
do Jordão e já era preciso tomar novas providências para salvaguardar a
ortodoxia da fé e chamar as multidões ignorantes á razão. Não era a primeira
vez que a Galiléia trazia aborrecimentos para a capital;- perduravam ainda na
lembrança de todos as hordas dos prosélitos de Judas de Gamala. Afinal, era
notório que a gentinha ignorante do norte estava sempre predisposta a acreditar
em impostores e charlatães de qualquer espécie.
Entretanto, ao chegar a Cafarnaum, os escribas mandados
pela capital foram obrigados a reconhecer que não era fácil negar a veracidade
dos milagres de Jesus. Mesmo assim, não mediram esforços, aplicando-se ao
máximo em busca de explicações racionais consistentes para o que acontecia. Na
certa, não estavam propensos a crer, como Nicodemos, que Deus pudesse operar
por meio daquele reles Galileu... alguns chegaram á conclusão de que Jesus
aprendera mágica no Egito;- outros, ao contrário, procuraram convencer o povo
de que o Nazareno expulsava os demônios de comum acordo com o príncipe deles,
Beelzebu- Talmude- Barajta- shabbat;- não foi difícil expor ao ridículo os
inventores de tais elucubrações ardilosas. O que fez foi simplesmente perguntar
áqueles escribas como podia um demônio expulsar outro;- não seria aquela uma
espécie de luta fratricida que implicaria o fim do poder diabólico? Depois, sem
meios termos, acusou seus adversários de blasfemarem contra o Altíssimo, cuja
força sempre se encontra na origem das boas obras e, por fim, os repreendeu;- como se consideravam senhores, se não eram
capazes de distinguir o bem do mal? Uma árvore se reconhece por seus frutos;-
portanto, ou reconheceis que a árvore é boa porque os frutos são bons, ou
declarais que a árvore é ruim, se os frutos parecerem ruins. Filhos de
serpentes, como podeis pregar o bem, se vós mesmos sois maus? Porque os lábios falam do que transborda o
coração...- em resumo, Jesus acertou em cheio. Os teólogos arrogantes foram
desmascarados perante o povo todo. A ira deles no auge chegou, e decidiram, em
segredo, que era necessário dar um basta á desordem que Jesus semeava.
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