sábado, 9 de dezembro de 2017

O VINHO NOVO - CARVAJAL

            Dispor a alma para receber o dom divino da graça;- os odres novos.
            A contrição restaura-nos e prepara-nos para receber novas graças.
            A confissão sacramental, meio para crescer na vida interior.
Jesus ensinava, e os que o escutavam entendiam-no bem. Todos os que ouviram pela primeira vez as suas palavras narradas no Evangelho, conheciam os remendos nas roupas e todos também, acostumados aos trabalhos do campo, sabiam o que acontece quando se lança o vinho novo, extraído da vinha recém vindimada, em odres velhos. Com essas imagens simples e bem conhecidas, o Senhor ensinava as verdades mais profundas sobre o Reino que Ele viera trazer ás almas;- ninguém coloca remendo novo em pano velho;- do contrário, o remendo levará consigo parte do tecido, e o rasgão tornar-se-á maior. Também não se lança vinho novo em odres velhos;- do contrário, os odres arrebentam e todo o vinho se derrama;- o vinho novo lança-se em odres novos e assim as duas coisas se conservam.
            Jesus declara a necessidade de acolher a sua doutrina com um espírito novo, jovem, com desejos de renovação;- pois da mesma maneira que a força da fermentação do vinho novo faz estalar os recipientes já envelhecidos, assim também a mensagem que Cristo trouxe á terra tem que quebrar o conformismo, a rotina e as estruturas arcaicas. Os apóstolos lembrar-se-iam daqueles dias junto de Jesus como o início da sua nova vida;- não tinham recebido a pregação do Senhor como mais uma interpretação da lei, mas como uma vida nova que neles surgia com um ímpeto extraordinário e que lhes reclamava disposições novas. Sempre que os homens se encontraram com Jesus ao longo destes vinte séculos, alguma coisa de novo surgiu neles, rompendo atitudes velhas e gastas. Já o profeta Ezequiel havia anunciado que Deus concederia outro coração e um espírito novo aos que o seguissem. São Beda, ao comentar esta passagem do evangelho, explica como os apóstolos se transformaram no dia de Pentecostes, ao mesmo tempo que se enchiam do fervor do Espírito Santo. O mesmo aconteceria depois na igreja com cada um dos seus membros, uma vez recebidos o batismo e a confirmação. Estes odres novos – a alma limpa e purificada – devem estar sempre cheios;- pois, quando vazios, a traça e a ferrugem os consomem;- mas a graça conserva-os cheios.
            O vinho novo da graça necessita de umas disposições na alma constantemente renovadas, em torno do empenho por começar e recomeçar no caminho da santidade, que é um sinal de juventude interior, dessa juventude própria dos santos, das pessoas enamoradas de Deus. É um empenho que se traduz na disposição habitual de corresponder ás moções e insinuações do Espírito Santo, pois desse modo nos preparamos para receber outras novas. Como também na disposição de recorrer ao Senhor, pedindo-lhe que cure a nossa alma, sempre que não tenhamos sido plenamente fiéis. Limpa, Senhor Jesus – pedimos-lhe com Santo Ambrósio, a podridão dos meus pecados. Enquanto me tens atado pelos laços do amor, cura o que está doente. Eu encontrei um médico que vive no céu e derrama o seu remédio sobre a terra. Só Ele pode curar as minhas feridas, pois não tem nenhuma;- só Ele pode tirar do meu coração a sua dor e da alma a sua palidez, pois Ele conhece os segredos escondidos. Só o teu amor, Senhor, pode preparar a minha alma para receber mais amor.   
O vinho novo, que o Espírito Santo traz constantemente á alma, não envelhece, mas os odres podem envelhecer. Quando se quebram, são atirados ao lixo e o vinho perde-se. Por isso é necessário restaurar continuamente a alma, rejuvenescê-la, pois são muitas as faltas de amor, os pecados veniais talvez, que a impedem de receber mais graças e a envelhecem. Nesta vida, sempre sentiremos as feridas dos pecados;- defeitos do caráter que não se vencem de maneira definitiva, chamadas da graça que não sabemos atender com generosidade, impaciências, rotina na vida de piedade, faltas de compreensão...
            O que nos prepara para novas graças é a contrição, que aumenta a esperança, evita a rotina e faz com que o cristão se esqueça de si mesmo e se aproxime de Deus com um ato de amor mais profundo. A contrição caracteriza-se pela aversão ao pecado e pela conversão a Cristo. Não se identifica, portanto, com o estado em que uma alma pode encontrar-se por causa dos efeitos desagradáveis do seu erro (a quebra da paz familiar, a perda de uma amizade...), nem mesmo consiste no desejo de não se ter feito o que se fez...;- é a condenação decidida de uma ação, a conversão para o bom, para a santidade de Deus manifestada em Cristo;- é a irrupção de uma vida nova na alma, cheia de amor ao encontrar-se novamente com o Senhor. Por isso, não sabe arrepender-se, não se sente movido á contrição quem não relaciona os seus pecados, tanto os grandes como as pequenas faltas, com o Senhor.
            Diante de Jesus, todas as ações adquirem a sua verdadeira dimensão. Se ficássemos a sós com as nossas culpas, sem essa referencia á pessoa ofendida, provavelmente justificaríamos e tiraríamos importância ás nossas faltas e pecados, ou então nos encheríamos de desalento e desesperança diante de tanto erro ou omissão. O Senhor ensina-nos a conhecer a verdade sobre a nossa vida e, apesar de tantos de feitos e misérias, cumula-nos de paz e de desejos de ser melhores, de recomeçar novamente. A alma humilde sente a necessidade de pedir perdão a Deus muitas vezes ao dia. Cada vez que se afasta do que o Senhor esperava dela, compreende a necessidade de regressar como o filho pródigo, com verdadeira dor;- Pai, pequei contra o céu e contra ti;- já não sou digno de ser chamado teu filho;- trata-me como a um dos teus jornaleiros. E o Senhor, que está perto dos que têm um coração contrito, escutará a nossa oração. Com esta contrição, a alma prepara-se continuamente para receber o vinho novo da graça.
            O Senhor sabendo que somos frágeis, deixou-nos o sacramento da penitência, em que a alma não só sai restabelecida – mas também surge com uma nova vida, se porventura tinha perdido a graça. Devemos recorrer a este sacramento com uma sinceridade plena, humilde, contrita, com desejos de reparar. Uma confissão bem feita implica um exame profundo;- se for possível diante do sacrário – e sempre na presença de Deus. é nesse exame de consciência que o cristão vê o que Deus esperava da sua vida e o que realmente ela foi;- a bondade ou malícia das suas ações, as omissões, as ocasiões perdidas, a intensidade das faltas cometidas, o tempo em que permaneceu nelas antes de pedir perdão. Quem deseje ter uma consciência delicada procurará antes de mais nada confessar-se com frequência, e depois não se contentará com uma confissão simplesmente válida, mas aspirará a fazer uma confissão boa, que ajude eficazmente a alma elevar-se até Deus.
            Para que a confissão frequente consiga esse fim, é necessário seguir com toda a seriedade este principio;- sem arrependimento, não há perdão dos pecados. Daqui nasce esta norma fundamental para quem se confessa com frequência;- não posso confessar nenhum pecado venial de que não se esteja séria e sinceramente arrependido. Há um arrependimento geral. É a dor e a detestação  dos pecados cometidos em toda a vida passada. Esse arrependimento geral é de uma importância excepcional para a confissão frequente, pois ajuda-nos a cicatrizar as feridas deixadas pelas fraquezas, purifica-nos a alma e faz-nos crescer no amor do Senhor. A sinceridade há de levar-nos, sempre que seja necessário, descer a esses pequenos detalhes que dão a conhecer melhor a nossa fraqueza;- como ? quando? Porque motivo? Por quanto tempo? Evitando tanto o detalhe insubstancial e prolixo como a generalização.
É preciso dizer com simplicidade e delicadeza o que aconteceu, dar a conhecer o verdadeiro estado da alma, fugindo das divagações do tipo não fui humilde, fui preguiçoso, faltei á caridade, - coisas que, por outro lado, são quase sempre aplicáveis a qualquer mortal. Numa palavra, devemos cuidar de que nossa confissão frequente seja um ato pessoal, em que pedimos perdão ao Senhor das nossas fraquezas concretas e reais, não de generalizadas difusas.
            Este sacramento da misericórdia é refugio seguro;- aqui se curam feridas, se revitaliza o que estava gasto e envelhecido, e se remedeiam todos os extravios, grandes ou pequenos. Porque a confissão não é somente um juízo em que as ofensas são perdoadas, mas também um remédio para a alma. A confissão impessoal esconde, com frequência, um ponto de soberba e de amor próprio que trata de mascarar ou justificar aquilo que humilha e deixa humanamente em má situação.
Para tornarmos mais pessoal este ato de penitencia, devemos cuidar até do modo de nos confessarmos;- acuso-me de.... pois este sacramento não é um relato de umas coisas acontecidas, mas uma auto afirmação humilde e simples dos nossos erros e fraquezas diante do próprio Deus, que nos perdoará através do sacerdote e nos inundará com a sua graça. Deus seja louvado! Dizias de ti para ti depois de terminares a tua confissão sacramental. E pensavas;- é como se tivesse voltado a nascer.

            Depois, prosseguiste com serenidade;- Senhor – que queres que eu faça? E tu mesmo te deste a resposta;- com a tua graça, por cima de tudo e de todos, cumprirei a tua Santíssima Vontade – eu te servirei sem condições. 

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