quarta-feira, 6 de setembro de 2017

EMANUELLI BARGELLINI


 

            Silêncio, tempo de gestação;- eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra. O silêncio dilata em dimensões bem mais amplas do que as resultantes de ausência de rumores, de palavras, de comunicação verbal. Tudo isso é importante, mas vamos além. O silêncio aqui, equivale á abertura total na liberdade, própria do homem pobre que se abre a Deus. somente quando se está nesta abertura é possível escutar;- somente quando se está nesta dimensão de silêncio é possível acolher. Trata-se da experiência construtiva do que crê, a tal ponto que o concílio, refletindo sobre o mistério da igreja, no início da DEI VERBUM correlacionou a escuta da Palavra com a identidade da igreja;- na religiosa escuta da palavra. A igreja é a comunidade que vive em religiosa escuta, não já porque todos os dias lê a Bíblia, mas porque está aberta á palavra constante que Deus diz, exprime e realiza em sua história. Testemunho supremo é a palavra por excelência do Pai, o Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. Quando o concílio define a identidade profunda da igreja e, portanto, do que crê, quer como comunidade, quer como pessoas que na comunidade vivem constantemente á escuta, não nos define (leitores de um livro), mas sim interlocutores de um diálogo.

            Em religiosa escuta – a atitude que o concílio repropõe á igreja significa – pois- viver em atitude de diálogo, e nele acolher a iniciativa e a comunicação daquele que fala, que se doa. O termo igreja, com o qual é designada a comunidade dos que creem, significa que ela existe porque chamada, porque interpelada, porque reconduzida á unidade da força interior da palavra. Quando nos reunimos em assembleia litúrgica para proclamar, escutar e celebrar a palavra, realizamos um gesto profético, sacramental, revelador da identidade da igreja;- fazemos disso a mais sublime experiência.

            O silêncio, é então, o sinal de uma resposta de vida que macera nas profundidades da pessoa. Se o que é posto em jogo é a vida, todas as suas profundidades entram, por assim dizer, em vibração, para poder entrar em sintonia com o que o Senhor exprime em seu projeto. Por longo tempo não são referidas outras palavras de Abrão e de Maria, além daquele colóquio fundamental. É o tempo em que ocorre a maceração do coração, a abertura da fé, o discernimento do espírito, a gestação de uma criatura nova que está emergindo no seio da história. Assim sendo, o que crê está envolvido também no mistério do silêncio do túmulo do crucificado. Precede o revolver-se da pedra e o desabrochar-se de um sentido novo da vida que surge com a aurora da Páscoa. A força simbólica daquele Sábado Santo, totalmente marcado pelo silêncio na liturgia pascal, está em dizer-nos que o caos é novamente tomado pela mão de Deus. o mundo será conduzido á condição de cosmos, de expressão da sua vitalidade, de sinal da sua luz e da sua força, tais como revelou a face do Ressuscitado na manhã de Páscoa. O Sábado Santo é o anseio interior que permite descobrir na cruz o sinal da nova vida, não após a cruz, mas na própria cruz. A liturgia sempre recorre aos símbolos. Aquele túmulo pascal é como um novo regaço da Virgem, o seio da mãe da terra, da história em cujo seio obscuro o verbo ainda se faz carne, o sulco de uma terra onde a semente do Reino apodrece para produzir o seu fruto abundante.

            No caminho da fé, nos é pedido que saibamos aguardar esses tempos de silêncio. Para nós, é a prova crucial, dado que a nossa tendência é queimar etapas, querer que as coisas nasçam apressadamente. Deus segue o ritmo próprio da natureza;- a gestação de uma vida nova no ventre da mãe. Uma palavra autêntica que exprima vida não pode nascer senão de um silêncio de gestação. O silêncio, mesmo na experiência da fé, gera a palavra, muito embora, por sua vez, tenha sido gerado pela palavra recebida. Existe uma circulação entre palavra, silêncio e palavra, reexpressão humana da palavra de Deus assimilada. Dentro dessa circularidade, um movimento perene, em espiral, conduz de compreensão em compreensão, de escuta em escuta, para profundidades e dimensões novas. Aquilo que nasceu de maneira surpreendente naquela manhã de Páscoa no coração da história, no coração dos discípulos do Senhor, pode e deve ser anunciado, para que seja compartilhado no agradecimento e no louvor.

            A primeira carta de João retoma esse tema;- isso que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês, para que vocês estejam em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo. Esse anúncio não termina no segredo da pessoa, mas gera a vida e a comunhão da igreja, expansão da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito. As palavras do homem florescem como eco da palavra acolhida e podem funcionar como ponte entre esta e as outras ressonâncias que nascem por obra do Espírito no coração dos irmãos. Somos uma comunidade que, para retomar uma imagem de São Gregório Magno, constitui um conjunto de instrumentos musicais. O Espírito, em sua liberdade, diverte-se em tocar ora este, ora aquele. Todos ressoam sob a sua ação. Todos quantos somos portadores da palavra do Espírito, somos instrumentos da verdade, e está em poder do Espírito tocar ora este, ora aquele instrumento.

            Assim ressoa a comunidade. Somos testemunhas uns para os outros, cada um na pouquidão da própria experiência, para que a Palavra possa ressoar em sua completitude. Gregório confessava que, estando em meio ao povo, muitas vezes lhe era concedida uma compreensão da Palavra que, sozinho, não teria conseguido alcançar, e afirma ainda;-  

            EIS PORQUE SENTI O DESEJO DE ME APLICAR TAMBÉM A ESTE TEXTO, CONVENCIDO DE QUE, GRAÇAS A ELE, SER-ME-IA CONCEDIDO COMPREENDÊ-LO. COM EFEITO, É EVIDENTE QUE, SE ME É DADO COMPREENDÊ-LO, É PARA VANTAGEM DAQUELES QUE ESTÃO COMIGO. ASSIM, GRAÇAS Á DEUS, ACONTECE-ME QUE, ENQUANTO O SENTIDO CRESCE, O ORGULHO DIMINUI, UMA VEZ QUE, POR VOCÊS, APRENDO AQUILO QUE EM MEIO A VOCÊS ENSINO;- POIS, VERDADE SEJA DITA, AQUILO QUE DIGO É, FREQÜENTEMENTE, AQUILO QUE ESCUTO DE VOCÊS.  (LIVRO NAS PEGADAS DO REINO).

Nenhum comentário: