Silêncio, tempo de gestação;- eis a
escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra. O silêncio dilata em
dimensões bem mais amplas do que as resultantes de ausência de rumores, de
palavras, de comunicação verbal. Tudo isso é importante, mas vamos além. O
silêncio aqui, equivale á abertura total na liberdade, própria do homem pobre
que se abre a Deus. somente quando se está nesta abertura é possível escutar;-
somente quando se está nesta dimensão de silêncio é possível acolher. Trata-se
da experiência construtiva do que crê, a tal ponto que o concílio, refletindo
sobre o mistério da igreja, no início da DEI VERBUM correlacionou a escuta da
Palavra com a identidade da igreja;- na religiosa escuta da palavra. A igreja é
a comunidade que vive em religiosa escuta, não já porque todos os dias lê a
Bíblia, mas porque está aberta á palavra constante que Deus diz, exprime e
realiza em sua história. Testemunho supremo é a palavra por excelência do Pai, o
Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. Quando o concílio define a identidade
profunda da igreja e, portanto, do que crê, quer como comunidade, quer como
pessoas que na comunidade vivem constantemente á escuta, não nos define
(leitores de um livro), mas sim interlocutores de um diálogo.
Em religiosa escuta – a atitude que
o concílio repropõe á igreja significa – pois- viver em atitude de diálogo, e
nele acolher a iniciativa e a comunicação daquele que fala, que se doa. O termo
igreja, com o qual é designada a comunidade dos que creem, significa que ela
existe porque chamada, porque interpelada, porque reconduzida á unidade da
força interior da palavra. Quando nos reunimos em assembleia litúrgica para
proclamar, escutar e celebrar a palavra, realizamos um gesto profético,
sacramental, revelador da identidade da igreja;- fazemos disso a mais sublime
experiência.
O silêncio, é então, o sinal de uma
resposta de vida que macera nas profundidades da pessoa. Se o que é posto em
jogo é a vida, todas as suas profundidades entram, por assim dizer, em vibração,
para poder entrar em sintonia com o que o Senhor exprime em seu projeto. Por
longo tempo não são referidas outras palavras de Abrão e de Maria, além daquele
colóquio fundamental. É o tempo em que ocorre a maceração do coração, a
abertura da fé, o discernimento do espírito, a gestação de uma criatura nova
que está emergindo no seio da história. Assim sendo, o que crê está envolvido
também no mistério do silêncio do túmulo do crucificado. Precede o revolver-se
da pedra e o desabrochar-se de um sentido novo da vida que surge com a aurora
da Páscoa. A força simbólica daquele Sábado Santo, totalmente marcado pelo
silêncio na liturgia pascal, está em dizer-nos que o caos é novamente tomado
pela mão de Deus. o mundo será conduzido á condição de cosmos, de expressão da
sua vitalidade, de sinal da sua luz e da sua força, tais como revelou a face do
Ressuscitado na manhã de Páscoa. O Sábado Santo é o anseio interior que permite
descobrir na cruz o sinal da nova vida, não após a cruz, mas na própria cruz. A
liturgia sempre recorre aos símbolos. Aquele túmulo pascal é como um novo
regaço da Virgem, o seio da mãe da terra, da história em cujo seio obscuro o
verbo ainda se faz carne, o sulco de uma terra onde a semente do Reino apodrece
para produzir o seu fruto abundante.
No caminho da fé, nos é pedido que
saibamos aguardar esses tempos de silêncio. Para nós, é a prova crucial, dado
que a nossa tendência é queimar etapas, querer que as coisas nasçam
apressadamente. Deus segue o ritmo próprio da natureza;- a gestação de uma vida
nova no ventre da mãe. Uma palavra autêntica que exprima vida não pode nascer
senão de um silêncio de gestação. O silêncio, mesmo na experiência da fé, gera
a palavra, muito embora, por sua vez, tenha sido gerado pela palavra recebida.
Existe uma circulação entre palavra, silêncio e palavra, reexpressão humana da
palavra de Deus assimilada. Dentro dessa circularidade, um movimento perene, em
espiral, conduz de compreensão em compreensão, de escuta em escuta, para
profundidades e dimensões novas. Aquilo que nasceu de maneira surpreendente
naquela manhã de Páscoa no coração da história, no coração dos discípulos do
Senhor, pode e deve ser anunciado, para que seja compartilhado no agradecimento
e no louvor.
A primeira carta de João retoma esse
tema;- isso que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês, para que vocês
estejam em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho
Jesus Cristo. Esse anúncio não termina no segredo da pessoa, mas gera a vida e
a comunhão da igreja, expansão da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito. As
palavras do homem florescem como eco da palavra acolhida e podem funcionar como
ponte entre esta e as outras ressonâncias que nascem por obra do Espírito no
coração dos irmãos. Somos uma comunidade que, para retomar uma imagem de São
Gregório Magno, constitui um conjunto de instrumentos musicais. O Espírito, em
sua liberdade, diverte-se em tocar ora este, ora aquele. Todos ressoam sob a
sua ação. Todos quantos somos portadores da palavra do Espírito, somos
instrumentos da verdade, e está em poder do Espírito tocar ora este, ora aquele
instrumento.
Assim ressoa a comunidade. Somos
testemunhas uns para os outros, cada um na pouquidão da própria experiência,
para que a Palavra possa ressoar em sua completitude. Gregório confessava que,
estando em meio ao povo, muitas vezes lhe era concedida uma compreensão da
Palavra que, sozinho, não teria conseguido alcançar, e afirma ainda;-
EIS PORQUE SENTI O DESEJO DE ME
APLICAR TAMBÉM A ESTE TEXTO, CONVENCIDO DE QUE, GRAÇAS A ELE, SER-ME-IA
CONCEDIDO COMPREENDÊ-LO. COM EFEITO, É EVIDENTE QUE, SE ME É DADO
COMPREENDÊ-LO, É PARA VANTAGEM DAQUELES QUE ESTÃO COMIGO. ASSIM, GRAÇAS Á DEUS,
ACONTECE-ME QUE, ENQUANTO O SENTIDO CRESCE, O ORGULHO DIMINUI, UMA VEZ QUE, POR
VOCÊS, APRENDO AQUILO QUE EM MEIO A VOCÊS ENSINO;- POIS, VERDADE SEJA DITA,
AQUILO QUE DIGO É, FREQÜENTEMENTE, AQUILO QUE ESCUTO DE VOCÊS. (LIVRO NAS PEGADAS DO REINO).
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