Consoante crença de certas tribos
africanas, os eguns são as almas dos antepassados, dos já falecidos, cidadãos
do astral. A palavra nagô é egungum e significa esqueleto. Consoante sua crença
é por ocasião das festas realizadas em sua honra que esses mortos voltam a se
comunicar com os seus descendentes. De que maneira o fazem? Por via de
materialização. Assoma a nossos olhos uma figura fantasmagórica, a mais
excêntrica que possamos imaginar. A vestimenta do espírito materializado é uma
espécie de macacão superfino, de fazenda preciosa e caríssima. Ostenta uma
combinação de desenhos em cores marrom, azul, vermelho e branco, cuja abertura
larga é quadrada na extremidade superior, no vértice da cabeça.
Na
altura do rosto se localizam dois orifícios para a visão. No intuito de
encobri-los, pendem de lá colares diversicolores, miçangas e guias. Em toda
superfície do peito pedras preciosas em profusão, de diminuto tamanho, imitando
olhos e formando destarte uma máscara sui generis. Algum tantinho mais para
baixo, outros pequenos espelhos. No centro do peito um de formato maior,
completando o peitilho precioso. Ao redor de todo o corpo do (espírito) da
cabeça até quase os pés, em forma circular, se acham pendentes tiras avulsas de
um palmo de largura, de panos finos e variegadamente coloridos;- vermelho,
verde, azul, amarelo, marrom e branco. Seda, algodão e outras fazendas se acham
representadas...
Nos
pés da indumentária deve existir uma espécie de sola de couro ou matéria
plástica, em todo caso, algum elemento resistente a permitir ao (egum) de
executar sem problemas suas danças, seus saltos durante horas e dar seus
passeios pelos arredores da casa de candomblé. Desta riquíssima indumentária,
cujo preço, de cada conjunto, deve orçar a mais de dez mil – apareceram umas
seis variantes naquela memorável noitada. As tiras de pano livremente pendentes
ao redor do corpo, em seu aspecto multicolorido engendram um efeito grandioso durante
a dança dos eguns, ao som atordoante dos atabaques. É particularmente nessas
danças que os eguns chegam facilmente a aproximar-se demais dos vivos, momento
em que as varas brancas dos ogés devem entrar em vigorosa ação, para defender a
vida dos presentes na primeira fila. Os eguns experimentam um afeto tão
veemente por eles, e, premidos pelas saudades, desejariam levá-los incontinenti
consigo.
Daí
a crença da morte instantânea de quem toca neles ou for tocado por eles. Seria
como se alguém encostasse a mão num fio de alta tensão, morrendo eletrocutado
fatalmente. Percebe-se, aqui e lá, o horror estampado no semblante dos que
ficam próximos aos espíritos. Somente as varas sagradas possuem o condão de
tocar impunemente no egum materializado. Eis porque os ogés passam muito
trabalho no afã de moderarem os ímpetos de apego a dominarem os ancestrais
visitantes. O autor destas linhas, em diversas ocasiões favoráveis, durante
aquelas longas horas, se empenhou por todas as vias ao seu alcance, de dar um
rápido abraço ou pelo menos umas batidinhas amigas com a mão no ombro de algum
egum, mas a vigilância férrea dos homens das varas mágicas não o permitiu.
Vejamos porque;- levo nítida recordação, de como na minha infância, lá dos 5
aos 10 anos, ficava encantado ao pensar na época do natal, quando viria o
Menino Jesus distribuir os presentes merecidos para as crianças aplicadas e bem
comportadas. Como me empenhava em ser obediente e bonzinho para receber
integralmente a lista dos brinquedos encomendados.
Mas
a alegria vinha um tanto mesclada de preocupação. É que junto do CHRISTKINDCHEN (MENINO DO NATAL ) vinha também a figura
temerosa do PELZNICHEL – UM VELHO RABUJENTO E DISFORME, DIR-SE-IA LEMBRANDO O
DEMÔNIO. Embora salutar para a educação dos pequenos, seu papel era negativo,
baseado exclusivamente no temor. Sua missão era repreender e castigar com todo
rigor as crianças de má conduta, trazer-lhes uma vara de marmelo, com a qual os
pais deveriam castigá-los, tão logo fizessem alguma estrepolia merecedora de
punição.
Por
vezes esse papai Noel, em combinação com os pais, aplicava na hora, na noite
mesma do natal, uma surra medicinal nos incorrigíveis. O menino Jesus, materializado
numa pessoa do sexo feminino, de aparência bela, meiga, vestida de noiva, ao
fazer a entrega dos mimos de natal, dava toda uma série de bons conselhos para
a boa formação e progressos dos meninos. Os dois vinham, ora juntos, ora em
separado, de acordo com o imperativo das circunstancias;- tempos saudosos aqueles! A gente vivia numa
quadra feliz, embalado em doces ilusões, até um belo dia desses se esboroarem
em pó e fumo aqueles sonhos fagueiramente acalentados. A partir daquela
fatídica data, o natal havia perdido mais de 75% de seus encantos.
Essa
história dos eguns evocou, com espontaneidade, essa quadra feliz da vida em que
andávamos ás voltas com Papais e Mamães Noel. Com efeito, esses eguns nada mais
representam do que um tipo de papai Noel, um morto fictício, para manter viva
uma velha tradição. Não passa de um teatro, de uma farsa, própria para o tempo
de carnaval. Entretanto, acredita nela, com toda boa fé, mais de 80% da assistência.
Estes tem pouco ou quiçá nenhuma responsabilidade diante de Deus. Os chefes, os
iniciados porém, conscientes do embuste tem a consciência onerada diante de
Deus deles o juiz eterno exigirá um dia exata prestação de contas.
Alguns
poucos sabidos da seita, os tais iniciados, conservam o sigilo com o máximo
rigor, a fim de que a fraude dessa materialização dos ancestrais não chegue á
luz do dia. Salta aos olhos do mais ingênuo a evidencia, de que sob aquelas
vestes se ocultam poucos iniciados. Eis todo o segredo daquela materialização,
que a poderosa sugestão, muitíssimas vezes repetidas através de muitas
gerações, se encarrega de gravar indelevelmente no subconsciente daquela gente
e que a ignorância e a ingenuidade mantém inviolável – a maior garantia para
atingir a meta colimada é a total intangibilidade dos eguns, sob a ameaça
terrível de morte imediata.
O outro expediente assegurador da sobrevivência
dessa seita é a manutenção do segredo mais absoluto. Achamo-nos em face de uma
seita secreta, cujos membros se obrigam, sob pena de morte, a não revelar algum
segredo comprometedor. É em atenção a esse pacto de morte que não mostram aos
visitantes ou estudiosos os aposentos reservados, o lado esotérico. É por isso
que não admitem referentes a pontos secretos. É o temor de serem desmascarados
na sua má fé ou quiçá ridicularizados.... Atribuível – talvez a esses fatores
negativos é que dei pela ausência total do que poderíamos denominar de espírito
de Deus. Era tudo pagão. Não havia ali nada de cristão. Não se ouviu nenhuma
palavra, nenhuma alusão a honrar, amar, servir, e obedecer a Deus, estímulos de
praticar o bem ou a caridade, NADA DISSO.