Um espetáculo raro e dificílimo de
presenciar, sem especialíssimas credenciais, é assistir um candomblé de eguns
ou candomblé de morto. Graças a uma série de circunstâncias felizes, consegui
dar um jeito, acompanhando um senhor muito relacionado nesses meios. Foi em
Salvador, numa das ilhas da Bahia de todos os santos. Localiza-se esse terreiro
num sítio de difícil acesso. Pelas 21,30 horas ouve-se, de repente, um grito
generalizado de alarme. Correria geral e precipitada para o grande galpão da
festa. Que acontecerá?
Havia aparecido inesperadamente um
egum, a passear nas imediações do terreiro. Não podia ser mais eficiente o toque
de reunir, pois o temor que infunde essa entidade ancestral entre os filhos
desse candomblé, é espantoso. Revolucionara toda zona.
O rufar dos atabaques, que entrou em
cheio, veio completar a disposição inicial de expectativa. Alguns cânticos, á
moda de responsórios, entoados pelos babás (dirigentes) e as filhas de santo,
entre as quais, não pode, naturalmente, faltar o ponto a Exu, a fim de que não
atrapalhe as solenidades da noite, marcaram o início propriamente dito. Nesse
ínterim encheu-se o recinto com as pessoas presentes á festa e chaveou-se a
porta.
Havia poucas cadeiras e bancos
disponíveis – de sorte que tivemos de sentar-nos, ora no chão duro, por sobre o
cimento, ora sobre algum banco ou cadeira primitivos, sem nenhum conforto, ou
então ficar de pé mesmo, devido á grande aglomeração humana, num espaço por
demais reduzido. Achavam-se dentro desse barracão, seguramente, umas 200
pessoas, das quais 80 e mais por cento descendentes diretos de africanos. Esta
situação, um forte resfriado, mais a terrível monotonia, que das 2 horas da
madrugada em diante se acentuou cada vez mais, produziu-me tal cansaço, a ponto
de quase não poder manter-me em pé, quando- pelas 6,30 da manhã terminou o candomblé.
Foi um alívio ver o sol radioso e poder
respirar novamente um ar puro e oxigenado. Durante a longa sessão contei mais
de setenta pessoas dormindo um sono solto pelas 3 ou 4 horas da madrugada. E
não eram só crianças e pessoas idosas, mas moços fortes, homens e mulheres na
flor da idade. Essa circunstancia faz saltar aos olhos o absurdo de esses
candomblés durarem cada vez a noite inteirinha, inutilizando os assistentes
para o trabalho do dia seguinte. A seguir foram feitas obrigações aos eguns,
cerimônias porém, de caráter secreto, esotérico, realizadas tão somente pelos
iniciados. Duraram cerca de uma hora, sem possibilidade de algum assistente
presenciar a esses atos de culto.
Pelas 23,20 horas foram ouvidos os
primeiros gritos, vindos de fora, denunciadores da presença de eguns. Entraram,
então, de chofre uns vinte homens no terreiro, empunhando ixás, umas varas
brancas, finas, de uns 2 metros de comprimento, de uma madeira do mato,
parecida ao marmeleiro do Rio Grande do Sul. Alguns deles, de espaço a espaço,
fustigavam com elas energicamente o assoalho, como para auto-sugestionar-se
diante de um perigo iminente.
Falavam yorubá, um idioma africano, do
qual o visitante não iniciado não entende patavina. São os ogés, encarregados
de vigiar pela ordem e o bom andamento da festa. A finalidade dessas varas é
manter separados, na devida distância, os mortos visitantes dos vivos, seus
descendentes. Existe – além disto, uma espécie de pacto de obediência e
respeito recíprocos entre os eguns e os ogés. Uns devem respeitar
religiosamente as prerrogativas dos outros.
Pela noite, hora dos mistérios e
fantasmas, entrou em cena o primeiro egum, cujo esquisito vociferar já se
prenunciara á distância, antes de se abrir a porta para ele aparecer em
público.
Atente
o leitor a este particular;- é preciso abrir a porta para esse (espírito )
poder entrar! Tire as devidas conclusões. Para bom entendedor meia palavra
basta...
Afirmam
ser grande o número de adultos versados na língua yorubá. Compreendem esse
estranho (stacato), esse vociferar monossilábico, mediante o qual os eguns se
dirigem aos filhos deste plano. Verificamos com surpresa, o fato de uns 20 ou
30 responderem aos eguns.
Os
mais moços, não sabendo yorubá, pediam a bênção em português – pedido esse,
pronta e benignamente despachado pelo espírito materializado.
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