sábado, 13 de janeiro de 2018

CANDOMBLÉ DE MORTO - EDVINO AUGUSTO FRIDERICHS



            Um espetáculo raro e dificílimo de presenciar, sem especialíssimas credenciais, é assistir um candomblé de eguns ou candomblé de morto. Graças a uma série de circunstâncias felizes, consegui dar um jeito, acompanhando um senhor muito relacionado nesses meios. Foi em Salvador, numa das ilhas da Bahia de todos os santos. Localiza-se esse terreiro num sítio de difícil acesso. Pelas 21,30 horas ouve-se, de repente, um grito generalizado de alarme. Correria geral e precipitada para o grande galpão da festa. Que acontecerá?
            Havia aparecido inesperadamente um egum, a passear nas imediações do terreiro. Não podia ser mais eficiente o toque de reunir, pois o temor que infunde essa entidade ancestral entre os filhos desse candomblé, é espantoso. Revolucionara toda zona.
O rufar dos atabaques, que entrou em cheio, veio completar a disposição inicial de expectativa. Alguns cânticos, á moda de responsórios, entoados pelos babás (dirigentes) e as filhas de santo, entre as quais, não pode, naturalmente, faltar o ponto a Exu, a fim de que não atrapalhe as solenidades da noite, marcaram o início propriamente dito. Nesse ínterim encheu-se o recinto com as pessoas presentes á festa e chaveou-se a porta.
            Havia poucas cadeiras e bancos disponíveis – de sorte que tivemos de sentar-nos, ora no chão duro, por sobre o cimento, ora sobre algum banco ou cadeira primitivos, sem nenhum conforto, ou então ficar de pé mesmo, devido á grande aglomeração humana, num espaço por demais reduzido. Achavam-se dentro desse barracão, seguramente, umas 200 pessoas, das quais 80 e mais por cento descendentes diretos de africanos. Esta situação, um forte resfriado, mais a terrível monotonia, que das 2 horas da madrugada em diante se acentuou cada vez mais, produziu-me tal cansaço, a ponto de quase não poder manter-me em pé, quando-  pelas 6,30 da manhã terminou o candomblé.
             Foi um alívio ver o sol radioso e poder respirar novamente um ar puro e oxigenado. Durante a longa sessão contei mais de setenta pessoas dormindo um sono solto pelas 3 ou 4 horas da madrugada. E não eram só crianças e pessoas idosas, mas moços fortes, homens e mulheres na flor da idade. Essa circunstancia faz saltar aos olhos o absurdo de esses candomblés durarem cada vez a noite inteirinha, inutilizando os assistentes para o trabalho do dia seguinte. A seguir foram feitas obrigações aos eguns, cerimônias porém, de caráter secreto, esotérico, realizadas tão somente pelos iniciados. Duraram cerca de uma hora, sem possibilidade de algum assistente presenciar a esses atos de culto.
            Pelas 23,20 horas foram ouvidos os primeiros gritos, vindos de fora, denunciadores da presença de eguns. Entraram, então, de chofre uns vinte homens no terreiro, empunhando ixás, umas varas brancas, finas, de uns 2 metros de comprimento, de uma madeira do mato, parecida ao marmeleiro do Rio Grande do Sul. Alguns deles, de espaço a espaço, fustigavam com elas energicamente o assoalho, como para auto-sugestionar-se diante de um perigo iminente.
Falavam yorubá, um idioma africano, do qual o visitante não iniciado não entende patavina. São os ogés, encarregados de vigiar pela ordem e o bom andamento da festa. A finalidade dessas varas é manter separados, na devida distância, os mortos visitantes dos vivos, seus descendentes. Existe – além disto, uma espécie de pacto de obediência e respeito recíprocos entre os eguns e os ogés. Uns devem respeitar religiosamente as prerrogativas dos outros.
Pela noite, hora dos mistérios e fantasmas, entrou em cena o primeiro egum, cujo esquisito vociferar já se prenunciara á distância, antes de se abrir a porta para ele aparecer em público.
            Atente o leitor a este particular;- é preciso abrir a porta para esse (espírito ) poder entrar! Tire as devidas conclusões. Para bom entendedor meia palavra basta...
            Afirmam ser grande o número de adultos versados na língua yorubá. Compreendem esse estranho (stacato), esse vociferar monossilábico, mediante o qual os eguns se dirigem aos filhos deste plano. Verificamos com surpresa, o fato de uns 20 ou 30 responderem aos eguns.
            Os mais moços, não sabendo yorubá, pediam a bênção em português – pedido esse, pronta e benignamente despachado pelo espírito materializado.

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