Ele era de altura média, com cabelos
grossos e cinzentos que o distinguiam bastante. Existia nele também um ar de
autoridade, um ar clerical, que me fez levantar espontaneamente quando passou
pela porta azul e entrou em nossa aquecida biblioteca. Sacudiu a neve que
cobria seu casaco bem costurado.
Por
um momento eu me senti perplexa. Aquele momento desapareceu rapidamente
quando ele se apresentou como o reitor de uma igreja da denominação Unitariana
numa grande cidade do Oeste. Disse que a razão de estar ali era o desejo de sua
congregação em ouvir uma palestra minha sobre CRISTANDADE E JUSTIÇA RACIAL.
Enquanto acertávamos data, preço e todos os detalhes pertinentes a tal
transação, a tristeza de seus olhos me atraiu. Existia neles uma dor que eu não
podia definir. De alguma forma sua dor gritou para mim numa voz muda que trazia
uma espécie de desespero dentro de nossa tranquila biblioteca.
Acertamos os detalhes da palestra.
Ele assegurou-me que eu estava livre para falar em meu próprio estilo católico.
De fato, ele disse que sua congregação estava particularmente interessada no
ponto de vista católico sobre esta questão vital da justiça racial. A palestra
seria aberta. Quer dizer, seria numa sala alugada, com entrada franca para o
público em geral. Convidamo-lo para o jantar mas ele recusou, dizendo que tinha
que pegar o trem. Como o acompanhava até a porta, o sentimento de tristeza uma
vez mais tomou conta de mim;- mais uma vez tive que sacudir tal sentimento.
No devido tempo, minha turnê de
palestras trouxe-me até a sua cidade e sua denominação. Atenta aos seus
desejos, tentei apresentar, com completa simplicidade, o ponto de vista
católico sobre o assunto. A palestra foi bem sucedida e aceita. Muitas
perguntas foram feitas. Grande interesse também foi mostrado com respeito aos
outros aspectos de nossa fé. Finalmente, o encontro chegou ao fim e o Reverendo
Pastor e sua esposa levaram-me para sua casa, hospitalidade que havia sido
oferecida a mim de antemão. Depois de um almoço leve, sua esposa foi descansar.
Ele perguntou-me se me importava em ir até a sua sala para uma pequena
conversa. Havia, ele disse, algo nem sua mente que queria me perguntar. Aceitei
com alegria.
As paredes da sala eram forradas de
livros. A mesa indicava um homem que lia e estudava muito. Notas cobriam toda a
mesa. Livros com marcadores singulares inundavam as cadeiras e até mesmo o
chão. Os móveis eram simples, mas confortáveis. Sentei-me numa grande poltrona
de couro sob a lâmpada do abajur. Ele sentou-se á minha frente numa cadeira
giratória perto da mesa. Esperei por suas perguntas. O silencio saudou-me e me
envolveu. Era um silencio estranho, perturbador, que eu não podia quebrar.
Continuei a esperar para que ele falasse, mas ele permanecia em silencio, sem
se mover, como que perdido em pensamentos que o carregavam para longe dali.
O silencio tornou-se mais intenso.
Tornou-se extremamente pesado, mesclado com escuridão e medo, mas impregnado de
espera. Comecei a rezar a Maria pela graça e força para sustentar aquele
silencio estranho e doloroso.
De repente, ele o quebrou com um
soluço e um choro arrancados das profundezas de seu coração. Como um homem
ferido, caiu de joelhos. Murmurou que eu talvez sairia em um ou dois minutos
correndo da sala e para fora de sua casa, com aversão e horror. Ele era um
ex-padre! O tempo parou e o silencio começou de novo. Mas agora era um silencio
diferente. Era o silencio de completa pena, compaixão e amor. Devagar, eu me
levantei e estendi minha mão para ele. Chamei-o de padre e o fiz sentar-se de
novo em sua cadeira giratória. Então falei calmamente sobre PEDRO E PAULO, da
misericórdia de DEUS e do fato de que não existia tal coisa como EX-PADRE. Um
PADRE é um PADRE para sempre, não importa o que tenha feito. Acrescentei que,
ainda que ele não o soubesse, tinha passado pela PORTA AZUL, e que todos os que
o faziam, recebiam uma graça de NOSSA SENHORA.
Fui embora no outro dia. Anos se
passaram. Nós da CASA DA AMIZADE rezávamos diariamente por uma intenção
especial, embora só eu soubesse que a intenção era para este pastor perdido. Um
dia, um homem magro e de cabelos brancos veio pela PORTA AZUL. Seu rosto
parecia familiar. Estava vestido com roupa de Padre Católico. Havia em seus
olhos uma serenidade e paz que fiquei parada por um ou dois minutos, minha mão
estendida em saudação. Ele sorriu, um sorriso lento, levemente triste e eu
soube quem era.
Era o Pastor. Tinha vindo
especialmente para obter a bênção de Maria e de sua PORTA AZUL, antes de ir
para um de seus mosteiros. Ele disse que estava indo para o MOSTEIRO DE NOSSA
SENHORA DE LA TRAPP. Esperava passar o resto de seus dias como TRAPISTA. Ele
nos abençoou e, pela última vez, passou pela PORTA AZUL;- um pastor que tinha
saído da neblina.
Inclinei-me contra a porta e o
observei indo pela rua. Depois virei-me e, impulsivamente beijei a madeira
daquela porta abençoada. As crianças que brincavam na rua olharam para mim com
olhares um tanto estranhos.
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