Irmãos e filhos de Roma e do mundo!
Ressoa ainda uma vez, no decorrer dos séculos e sobre a face da terra, neste
ano da graça de 1964, terceiro do Concílio Vaticano II, desta cidade, que
assinala o encontro da civilização humana com o desígnio divino sobre a
salvação do mundo, ressoa o anúncio poderoso e feliz;- CRISTO RESSUSCITOU! Esse
Jesus, que nasceu em Belém da Virgem Maria, que foi preanunciado pelos Profetas
e foi Mestre no meio do povo de Israel, que foi por alguns reconhecido e amado,
por muitos rejeitado, e depois execrado, condenado, crucificado, e morreu e foi
sepultado, ressuscitou, verdadeiramente ressuscitou, na manhã do terceiro dia,
retomou verdadeira vida, nova, sobrenatural, vencendo para sempre a grande
inimiga;- a morte. Ressuscitou.
Vibração da mais elevada vitória;-
como podemos nós fazer ecoar no mundo uma tal notícia? Irmãos e filhos;-
escutai. Nós somos testemunhas desse fato. Somos a voz que se perpetua, ano
após ano, na história;- somos a voz que se difunde em círculos sempre mais
amplos no mundo;- somos a voz que repete o testemunho irrefragável daqueles que
por primeiro o viram com os próprios olhos e o tocaram com as próprias mãos, e
verificaram a novidade e a realidade do fato triunfante sobre os esquemas de
toda experiência natural;- somos os transmissores, de uma geração para outra,
de um povo para outro, da mensagem de vida da ressurreição de Cristo. Somos a
voz da igreja, para isso fundada, para isso difundida na humanidade, para isso
militante, para isso viva e esperançosa, para isso pronta a confirmar com o
próprio sangue a própria palavra. É a mensagem da fé que, como trompa angélica,
ressoa ainda hoje no céu e na terra;- ressuscitou. Cristo ressuscitou!
O fato da ressurreição de Cristo tem
que ver, sim, com a sua história, que è o Evangelho, tem que ver com sua vida,
que se manifestou humana e divina, viva na Pessoa do Verbo de Deus; mas tem que
ver igualmente com nós mesmos. Em Jesus Cristo se realiza um desígnio de Deus;-
o mistério, guardado em segredo por séculos, da redenção da humanidade,
revelou-se; em Cristo nós somos salvos. Em Cristo se concentram os nossos
destinos, em Cristo se resolvem os nossos dramas, em Cristo se explicam as
nossas dores, em Cristo se perfilam as nossas esperanças.
Não é um fato isolado a ressurreição
do Senhor, é um fato que tem que ver com toda a humanidade;- por Cristo
estende-se ao mundo;- tem uma importância cósmica. E é maravilhoso;- aquele
prodigioso acontecimento reverbera sobre cada homem vindo a este mundo com
efeitos diversos e dramáticos;- reveste toda a árvore genealógica da
humanidade;- Cristo é o novo Adão, que infunde na frágil, na mortal circulação da
vida humana natural um princípio vital novo;- inefável, mas real, um princípio
de purificadora regeneração, um germe de imortalidade, uma relação de comunhão
existencial com ele, Cristo, até a participar com ele, no fluxo do seu Espírito
Santo, da própria vida do infinito Deus, que em virtude sempre de Cristo
podemos chamar bem-aventuradamente;- Pai Nosso.
É preciso refletir muito sobre esses
valores universais da ressurreição de Cristo;- deriva desse valor o sentido do
drama humano, a solução do problema do mal, gênese de uma nova forma de vida,
que se chama exatamente de cristianismo. Lembrai-vos do canto do diácono no
início da cerimônia desta noite, um canto que é o poema mais excelso sobre os
destinos humanos;- apenas se refere á sua fonte, isto é, á ressurreição de
Cristo, para estender-se imediatamente em imensas e incomparáveis efusões sobre
a história da salvação, que é a história na qual todos estamos inevitavelmente
interessados. Descoberta esta nossa solidariedade com a ressurreição do Senhor,
brotam de si muitas conseqüências- todas grandes, todas admiráveis, das quais
uma é esta;- a restauração – poderemos talvez dizer a ressurreição – do sentido
religioso na consciência dos homens.
A fé acesa por Cristo no mundo;-
sabre o fato real da ressurreição de Cristo funda-se a religião, que dele toma
o nome e a vida;- e é tal a luz, a felicidade, a santidade que manam da fé
acesa por ele no mundo, que a religião cristã oferece não só plenitude de paz e
júbilo a quem de coração a professa, mas irradia ao redor de si um convite,
acorda um desejo, gera uma inquietação, apresenta um alvo, que terão despertado
para sempre o problema religioso no mundo. Deveremos nós recordar, neste
momento, a crise do sentido religioso, que se produziu em tantos homens do
nosso tempo, por motivos que, ao invés, deveriam revelá-los;- os motivos
derivantes do progresso cultural, científico, social, os quais inebriam a
consciência do homem moderno, gerando a persuasão, que está se transformando em
desilusão, de poder ele ser mestre e salvador de si mesmo, de não ter outras
necessidades para resolver os problemas fundamentais e ainda hoje obscuros,
sempre mais obscuros da sua vida, e de ser ele capaz de saciar a insaciável
sede de conhecimento, de existência, de felicidade e de amor, que dentro dele
nasce e cresce pouco a pouco á medida que se aprofunda e se amplia o seu
domínio sobre a natureza que o circunda.
Sabemos quais são as condições dos
ânimos atravessados por essa experiência característica do nosso tempo;- exasperados
uns na negação cega do envelhecido cientismo, inquietos outros, apáticos muitos
e alienados e quase resignados a que a vida não tenha sentido nem finalidade;-
preocupados não poucos outros, entre os mais reflexivos, com a decadência desse
sentido religioso, que está na base das mais sólidas e mais genuínas
construções do espírito humano. Qualquer que seja a posição nas considerações
sobre a religião, de vós, homens de hoje que nos escutais, nós dirigimos a
todos, do ponto culminante no qual se situa a Páscoa cristã, o convite a
acolher a mensagem de luz, que vem ao mundo pela ressurreição de Cristo;- este
é um sinal, um tal acontecimento que constitui ao mesmo tempo argumento para
crer nele e objeto da crença nele;- é o cume da razão humana, que procura e
quer ver e quer saber;- e é o início da predominante certeza da verdade
religiosa aceita pela fé, que inunda o espírito pela força e pela suavidade da
palavra de Deus.
Hoje o homem tem necessidade de
recuperar, examinado e aprovado pela maturidade crítica do pensamento moderno e
pela experiência agitada da evolução social, um conceito justo e firme sobre si
mesmo, sobre a própria vida. Tem necessidade de uma luz que por si mesmo não
pode encontrar. Quem de vós assistiu ao rito simbólico e delicado, extremamente
expressivo, que alegrou a vigília dos fiéis, deve perceber o eco crescente do
tríplice anúncio da ascensão do cândido círio;- LUMEN CHRISTI- EIS A LUZ DE
CRISTO! A luz brilha nas trevas, proclama o prólogo do Evangelho de João. É
preciso ter a sabedoria, a coragem e a alegria de responder;- DEO GRATIAS;-
Graças, Ó Deus, que na Páscoa de Cristo acendeste uma luz providencial na
escuridão do panorama humano e cósmico.
O cristianismo é alegria;- cada
religião tem em si fulgores de luz, que não é preciso nem desprezar nem apagar,
mesmo que eles não sejam suficientes para dar ao homem a claridade da qual tem
necessidade, e não cheguem a alcançar o milagre da luz cristã, que faz
coincidir a verdade com a vida;- mas cada religião nos eleva a transcendência
do SER, sem o qual não existe razão para o existir- para o raciocinar, para o
agir responsável, para o esperar sem ilusão. Cada religião é aurora de fé, e
nós aguardamos a melhor aurora, no ótimo esplendor da sabedoria cristã. Mas
para quem não tem religião ou para quem a ela se opõe nós dirigiremos a súplica
de que não se condene por si mesmo ao peso de dogmas tradicionais, ás
contradições da dúvida sem paz e do absurdo sem saída, ou ás maldições do
desespero e do nada. Talvez não poucos de vós tenham da religião conceitos
imprecisos e repugnantes;- talvez pensem a respeito da fé aquilo que
precisamente não é;- ofensa ao pensamento, empecilho ao progresso, humilhação
do homem, tristeza para a vida. Talvez alguns de vós sejam mais ávidos e por
isso mesmo inconscientemente mais adaptados a colher o raio da luz, porque, se
não dormem na indolência e na ignorância, a obscuridade do seu ateísmo dilata
as suas pupilas para um fatigante esforço de decifrar na obscuridade o onde e o
porquê das coisas. Nós não daremos hoje da luz pascal senão apenas um raio,
para todos aqueles que o querem acolher, como augúrio, como dom, como sinal ao
menos de nosso sumo júbilo, mas especialmente para vós cristãos, para vós fiéis
católicos, que já estais abertos a essa fulguração. É o primeiro raio da
Páscoa, isto é, da vida de Cristo ressuscitado e em nós que cristão queremos
ser;- e é alegria. O cristianismo é alegria.
A fé é alegria. A graça é alegria.
Recordai-vos disto, ó homens, filhos e irmãos e irmãs e amigos. Cristo é a
alegria, a verdadeira alegria do mundo. A vida cristã, na verdade, é austera;-
ela conhece a dor e a renúncia, exige a penitência, faz exatamente o
sacrifício, aceita a cruz e, quando for preciso, enfrenta o sofrimento e a
morte. Mas na sua expressão resolutiva a
vida cristã é bem aventurança. Lembrai-vos do discurso programa de Cristo,
exatamente sobre as bem aventuranças. Tanto que ela é substancialmente
positiva;- ela é libertadora, purificadora, transformadora;- tudo nela se reduz
ao bem, tudo pois para a felicidade na vida cristã. Ela é humana. Ela é mais
que humana, invadida como está por uma presença viva e inefável, o Espírito de
Cristo, que a conforta, sustenta, habilita as coisas superiores, que a dispõe a
crer, a esperar, a amar. É soberanamente otimista. É criativa. É feliz hoje, na
expectativa de uma plena felicidade futura.
Porque nos detemos sobre esse
aspecto da vida pascal? Porque reduzimos a vida religiosa á felicidade humana?
É fácil entender. Porque queremos desejar a todos que experimentem o
cristianismo, o qual outra coisa não é senão a derivação do mistério pascal,
nos seus verdadeiros termos, que são aqueles da solução e da satisfação dos
problemas humanos! A vós portanto, especialmente, desejamos a boa Páscoa; a vós
que ainda tendes fome e sede de justiça, a vós que trabalhais, a vós que estais
fatigados, seja boa e consoladora a Páscoa.
A vós jovens, que tendes o instinto
da felicidade, desejamos que saibais descobrir dela a fonte, para além do toque
sensível, para alem do prazer, para além do sucesso, na realidade profunda da
vida, que só Cristo vos revela. A vós cristãos, especialmente, a fim de que
saibais apreciar o que possuís, e a fim de que possais dar ao mundo a apologia,
da qual ele hoje tem necessidade, daquela verdadeira alegria, mandamos nossos
votos de FELIZ PÁSCOA! AMÉM.
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