terça-feira, 4 de abril de 2017

O anúncio da ressurreição;- saudoso Paulo VI. 26 de março de 1964.


 
 

            Irmãos e filhos de Roma e do mundo! Ressoa ainda uma vez, no decorrer dos séculos e sobre a face da terra, neste ano da graça de 1964, terceiro do Concílio Vaticano II, desta cidade, que assinala o encontro da civilização humana com o desígnio divino sobre a salvação do mundo, ressoa o anúncio poderoso e feliz;- CRISTO RESSUSCITOU! Esse Jesus, que nasceu em Belém da Virgem Maria, que foi preanunciado pelos Profetas e foi Mestre no meio do povo de Israel, que foi por alguns reconhecido e amado, por muitos rejeitado, e depois execrado, condenado, crucificado, e morreu e foi sepultado, ressuscitou, verdadeiramente ressuscitou, na manhã do terceiro dia, retomou verdadeira vida, nova, sobrenatural, vencendo para sempre a grande inimiga;- a morte. Ressuscitou.

            Vibração da mais elevada vitória;- como podemos nós fazer ecoar no mundo uma tal notícia? Irmãos e filhos;- escutai. Nós somos testemunhas desse fato. Somos a voz que se perpetua, ano após ano, na história;- somos a voz que se difunde em círculos sempre mais amplos no mundo;- somos a voz que repete o testemunho irrefragável daqueles que por primeiro o viram com os próprios olhos e o tocaram com as próprias mãos, e verificaram a novidade e a realidade do fato triunfante sobre os esquemas de toda experiência natural;- somos os transmissores, de uma geração para outra, de um povo para outro, da mensagem de vida da ressurreição de Cristo. Somos a voz da igreja, para isso fundada, para isso difundida na humanidade, para isso militante, para isso viva e esperançosa, para isso pronta a confirmar com o próprio sangue a própria palavra. É a mensagem da fé que, como trompa angélica, ressoa ainda hoje no céu e na terra;- ressuscitou. Cristo ressuscitou!

            O fato da ressurreição de Cristo tem que ver, sim, com a sua história, que è o Evangelho, tem que ver com sua vida, que se manifestou humana e divina, viva na Pessoa do Verbo de Deus; mas tem que ver igualmente com nós mesmos. Em Jesus Cristo se realiza um desígnio de Deus;- o mistério, guardado em segredo por séculos, da redenção da humanidade, revelou-se; em Cristo nós somos salvos. Em Cristo se concentram os nossos destinos, em Cristo se resolvem os nossos dramas, em Cristo se explicam as nossas dores, em Cristo se perfilam as nossas esperanças.

            Não é um fato isolado a ressurreição do Senhor, é um fato que tem que ver com toda a humanidade;- por Cristo estende-se ao mundo;- tem uma importância cósmica. E é maravilhoso;- aquele prodigioso acontecimento reverbera sobre cada homem vindo a este mundo com efeitos diversos e dramáticos;- reveste toda a árvore genealógica da humanidade;- Cristo é o novo Adão, que infunde na frágil, na mortal circulação da vida humana natural um princípio vital novo;- inefável, mas real, um princípio de purificadora regeneração, um germe de imortalidade, uma relação de comunhão existencial com ele, Cristo, até a participar com ele, no fluxo do seu Espírito Santo, da própria vida do infinito Deus, que em virtude sempre de Cristo podemos chamar bem-aventuradamente;- Pai Nosso.

            É preciso refletir muito sobre esses valores universais da ressurreição de Cristo;- deriva desse valor o sentido do drama humano, a solução do problema do mal, gênese de uma nova forma de vida, que se chama exatamente de cristianismo. Lembrai-vos do canto do diácono no início da cerimônia desta noite, um canto que é o poema mais excelso sobre os destinos humanos;- apenas se refere á sua fonte, isto é, á ressurreição de Cristo, para estender-se imediatamente em imensas e incomparáveis efusões sobre a história da salvação, que é a história na qual todos estamos inevitavelmente interessados. Descoberta esta nossa solidariedade com a ressurreição do Senhor, brotam de si muitas conseqüências- todas grandes, todas admiráveis, das quais uma é esta;- a restauração – poderemos talvez dizer a ressurreição – do sentido religioso na consciência dos homens.

            A fé acesa por Cristo no mundo;- sabre o fato real da ressurreição de Cristo funda-se a religião, que dele toma o nome e a vida;- e é tal a luz, a felicidade, a santidade que manam da fé acesa por ele no mundo, que a religião cristã oferece não só plenitude de paz e júbilo a quem de coração a professa, mas irradia ao redor de si um convite, acorda um desejo, gera uma inquietação, apresenta um alvo, que terão despertado para sempre o problema religioso no mundo. Deveremos nós recordar, neste momento, a crise do sentido religioso, que se produziu em tantos homens do nosso tempo, por motivos que, ao invés, deveriam revelá-los;- os motivos derivantes do progresso cultural, científico, social, os quais inebriam a consciência do homem moderno, gerando a persuasão, que está se transformando em desilusão, de poder ele ser mestre e salvador de si mesmo, de não ter outras necessidades para resolver os problemas fundamentais e ainda hoje obscuros, sempre mais obscuros da sua vida, e de ser ele capaz de saciar a insaciável sede de conhecimento, de existência, de felicidade e de amor, que dentro dele nasce e cresce pouco a pouco á medida que se aprofunda e se amplia o seu domínio sobre a natureza que o circunda.

            Sabemos quais são as condições dos ânimos atravessados por essa experiência característica do nosso tempo;- exasperados uns na negação cega do envelhecido cientismo, inquietos outros, apáticos muitos e alienados e quase resignados a que a vida não tenha sentido nem finalidade;- preocupados não poucos outros, entre os mais reflexivos, com a decadência desse sentido religioso, que está na base das mais sólidas e mais genuínas construções do espírito humano. Qualquer que seja a posição nas considerações sobre a religião, de vós, homens de hoje que nos escutais, nós dirigimos a todos, do ponto culminante no qual se situa a Páscoa cristã, o convite a acolher a mensagem de luz, que vem ao mundo pela ressurreição de Cristo;- este é um sinal, um tal acontecimento que constitui ao mesmo tempo argumento para crer nele e objeto da crença nele;- é o cume da razão humana, que procura e quer ver e quer saber;- e é o início da predominante certeza da verdade religiosa aceita pela fé, que inunda o espírito pela força e pela suavidade da palavra de Deus.

            Hoje o homem tem necessidade de recuperar, examinado e aprovado pela maturidade crítica do pensamento moderno e pela experiência agitada da evolução social, um conceito justo e firme sobre si mesmo, sobre a própria vida. Tem necessidade de uma luz que por si mesmo não pode encontrar. Quem de vós assistiu ao rito simbólico e delicado, extremamente expressivo, que alegrou a vigília dos fiéis, deve perceber o eco crescente do tríplice anúncio da ascensão do cândido círio;- LUMEN CHRISTI- EIS A LUZ DE CRISTO! A luz brilha nas trevas, proclama o prólogo do Evangelho de João. É preciso ter a sabedoria, a coragem e a alegria de responder;- DEO GRATIAS;- Graças, Ó Deus, que na Páscoa de Cristo acendeste uma luz providencial na escuridão do panorama humano e cósmico.

            O cristianismo é alegria;- cada religião tem em si fulgores de luz, que não é preciso nem desprezar nem apagar, mesmo que eles não sejam suficientes para dar ao homem a claridade da qual tem necessidade, e não cheguem a alcançar o milagre da luz cristã, que faz coincidir a verdade com a vida;- mas cada religião nos eleva a transcendência do SER, sem o qual não existe razão para o existir- para o raciocinar, para o agir responsável, para o esperar sem ilusão. Cada religião é aurora de fé, e nós aguardamos a melhor aurora, no ótimo esplendor da sabedoria cristã. Mas para quem não tem religião ou para quem a ela se opõe nós dirigiremos a súplica de que não se condene por si mesmo ao peso de dogmas tradicionais, ás contradições da dúvida sem paz e do absurdo sem saída, ou ás maldições do desespero e do nada. Talvez não poucos de vós tenham da religião conceitos imprecisos e repugnantes;- talvez pensem a respeito da fé aquilo que precisamente não é;- ofensa ao pensamento, empecilho ao progresso, humilhação do homem, tristeza para a vida. Talvez alguns de vós sejam mais ávidos e por isso mesmo inconscientemente mais adaptados a colher o raio da luz, porque, se não dormem na indolência e na ignorância, a obscuridade do seu ateísmo dilata as suas pupilas para um fatigante esforço de decifrar na obscuridade o onde e o porquê das coisas. Nós não daremos hoje da luz pascal senão apenas um raio, para todos aqueles que o querem acolher, como augúrio, como dom, como sinal ao menos de nosso sumo júbilo, mas especialmente para vós cristãos, para vós fiéis católicos, que já estais abertos a essa fulguração. É o primeiro raio da Páscoa, isto é, da vida de Cristo ressuscitado e em nós que cristão queremos ser;- e é alegria. O cristianismo é alegria.

            A fé é alegria. A graça é alegria. Recordai-vos disto, ó homens, filhos e irmãos e irmãs e amigos. Cristo é a alegria, a verdadeira alegria do mundo. A vida cristã, na verdade, é austera;- ela conhece a dor e a renúncia, exige a penitência, faz exatamente o sacrifício, aceita a cruz e, quando for preciso, enfrenta o sofrimento e a morte. Mas na sua expressão resolutiva  a vida cristã é bem aventurança. Lembrai-vos do discurso programa de Cristo, exatamente sobre as bem aventuranças. Tanto que ela é substancialmente positiva;- ela é libertadora, purificadora, transformadora;- tudo nela se reduz ao bem, tudo pois para a felicidade na vida cristã. Ela é humana. Ela é mais que humana, invadida como está por uma presença viva e inefável, o Espírito de Cristo, que a conforta, sustenta, habilita as coisas superiores, que a dispõe a crer, a esperar, a amar. É soberanamente otimista. É criativa. É feliz hoje, na expectativa de uma plena felicidade futura.

            Porque nos detemos sobre esse aspecto da vida pascal? Porque reduzimos a vida religiosa á felicidade humana? É fácil entender. Porque queremos desejar a todos que experimentem o cristianismo, o qual outra coisa não é senão a derivação do mistério pascal, nos seus verdadeiros termos, que são aqueles da solução e da satisfação dos problemas humanos! A vós portanto, especialmente, desejamos a boa Páscoa; a vós que ainda tendes fome e sede de justiça, a vós que trabalhais, a vós que estais fatigados, seja boa e consoladora a Páscoa.

            A vós jovens, que tendes o instinto da felicidade, desejamos que saibais descobrir dela a fonte, para além do toque sensível, para alem do prazer, para além do sucesso, na realidade profunda da vida, que só Cristo vos revela. A vós cristãos, especialmente, a fim de que saibais apreciar o que possuís, e a fim de que possais dar ao mundo a apologia, da qual ele hoje tem necessidade, daquela verdadeira alegria, mandamos nossos votos de FELIZ PÁSCOA! AMÉM.

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