segunda-feira, 6 de novembro de 2017

AGORA, NO ENTANTO.... PADRE RANIERO CANTALAMESSA.


 
 

            Aquele que primeira e insuperavelmente explorou o significado de fé do evento pascal de Cristo foi o apóstolo Paulo. A carta aos Romanos representa, deste ponto de vista, o ápice da sua reflexão. Depois de ter apresentado, nos dois capítulos anteriores da carta, a humanidade no seu estado universal de pecado e de perdição (Judeus e gregos estão sob domínio do pecado)...;- pois não há diferença. Todos pecaram e estão privados da glória de Deus, o apóstolo tem a incrível coragem de proclamar que esta situação está agora radicalmente mudada, para sempre e para todos, em virtude da redenção no Cristo Jesus.

            Agora, no entanto, assim se inicia a seção que descreve a nova situação. Inicia-se uma era nova na história dos relacionamentos entre Deus e a humanidade. Uma mudança realmente histórica. Na salvação realizada por Cristo, Paulo evidencia dois elementos distintos, embora inseparáveis como as duas faces de uma mesma medalha;- um componente negativo, que consiste na remoção do pecado ou justificação do ímpio, e um componente positivo, que consiste no dom do Espírito e da vida nova.

            Esta é uma constante que se observa toda vez que se descreve sinteticamente a salvação, tanto no Antigo como no Novo Testamento;- eu vos purificarei de todas as impurezas e de todos os ídolos;- removerei do vosso corpo o coração de pedra ( elemento negativo). Eu vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo (elemento positivo). Fala-se de um remover e de colocar.

Ao apresentar Jesus ao mundo, João Batista diz;- eis o cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo (elemento negativo), mas acrescenta logo;- eis aquele que batiza no Espírito Santo. Pedro faz a mesma coisa no dia de Pentecostes;- convertei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão de vossos pecados. E recebereis o dom do Espírito Santo.

As polêmicas teológicas fizeram com que, nesses dois elementos, ao comentar a carta aos Romanos, no passado se houvesse colocado em relevo quase exclusivamente o elemento negativo da remoção do pecado. Mas, na realidade, dos dois aspectos da salvação – a justificação do ímpio e o dom do Espírito – é o segundo, para Paulo, o mais relevante. Disto fala em todas as suas cartas, enquanto da justificação pela fé fala somente nas cartas em que deve defender a própria missão aos gentios. É interessante que quem diz isso é um dos mais qualificados exegetas protestantes do momento. Quanto, depois de haver tratado da libertação do pecado e da lei, no começo do oitavo capítulo da carta aos romanos, Paulo chega a falar do dom do Espírito, dá a impressão de alguém que finalmente chegou aonde queria e pode abandonar-se livremente em um hino. Pensamos nas palavras com as quais Beethoven introduz a segunda parte da Nova Sinfonia, a parte coral com o hino á alegria;- ó amigos, chega dessas notas. Entoemos um canto mais alegre e mais cheio de contentamento. Pode-se pensar na afirmação do apóstolo;

            A lei do Espírito que dá a vida no Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da morte. Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo. O próprio Espírito se une ao nosso espírito, atestando que somos filhos de Deus. o Espírito vem em socorro de nossa fraqueza.

            A justificação do ímpio e a remissão dos pecados não é, para Paulo, senão a condição para receber o dom mais belo e mais completo da Páscoa de Cristo, isto é, o seu Espírito. Muitos estão convencidos de que o nascimento e o irresistível desenvolvimento pentecostal e carismático no interior das várias Igrejas cristãs se explicam também como reação a uma insistência muito unilateral sobre o problema da justificação pela fé, que deixou na sombra a doutrina e a experiência do Espírito. Esta terceira força, como é chamada, assumiu, em pouco mais de um século, proporções imprevisíveis e constitui hoje, segundo as estatísticas, o componente em mais rápido crescimento no interior do cristianismo.

            Ela poderia ajudar a encontrar, finalmente, a solução para os problemas que se arrastavam por séculos e sobre os quais nem mesmo um documento conjunto  da Igreja católica e da Federação Luterana Mundial chegou a encontrar um acordo total. Na teologia e espiritualidade do movimento pentecostal, a justificação pela fé não é vista somente como uma atribuição externa de justiça que deixa o crente como era antes (simul iustus ET peccator);- convenceu-se, como do lado católico (mesmo que não se afirme explicitamente ), que o Espírito Santo transforma realmente a pessoa, dando-lhe um coração novo e morando nela.

            Quando Paulo fala do Espírito Santo – mesmo os exegetas mais rigorosos estão de acordo sobre isto – fala dele como de uma experiência que todos fazem na Igreja, não simplesmente como de uma doutrina;- experiência de unção no anúncio, de filiação divina na oração, de força carismática no exercício do próprio ministério, de conforto nas perseguições. É nisso que se mede se o Espírito Santo encontrou o seu verdadeiro lugar na vida da Igreja, além do lugar encontrado na sua teologia.

            Seria muito triste se tudo isto ficasse confinado no interior de um movimento eclesial e não contagiasse, por reflexo, na substância, se não na forma, toda a Igreja, como uma benéfica (corrente de graça) que se espalha nela. Não são somente alguns que têm necessidade de um novo Pentecostes na Igreja, mas todos os batizados.

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