O caminho que tento trilhar com as
pessoas nos acampamentos não passa por uma elevação da espiritualidade, uma
intensificação da relação com Deus, ou um aprofundamento dos lados bons. Pois
se eu as incentivar para que orem e amem mais ainda, estarei levando-as a um
beco sem saída. Elas se esforçarão em suprimir todos os elementos negativos
dentro de si e se colocarão á disposição apenas de Deus. Mas desse jeito, em
algum momento elas cairão em depressão, ou se sentirão envoltas pela escuridão.
De repente elas não sentirão mais alegria com Deus ou com a vida espiritual.
Não conseguirão esquivar-se da força de seus instintos, serão formalmente
fragmentadas por eles. Então preciso estimulá-las a assumir o pólo oposto
dentro delas. Elas precisam aceitar o fato de terem dentro de si também lados
não divinos, de que algumas partes em seu interior não querem nem saber de
Deus, de que alguns desejos absolutamente não se orientam pela vontade divina,
mas são AOMRAIS. Ao invés de procurarem soluções rápidas na devoção, elas
precisam primeiro encarar e aceitar sua instintividade.
A vivência desses opostos produz o
que os monges chamam de humildade, a coragem de descer até a própria
humanidade, com suas necessidades vitais. Quando o ser humano se reconcilia com
sua sombra, poderá encontrar o caminho para seu EU verdadeiro e descobrir Deus
dentro de si. Só então seu caminho espiritual o levará adiante. E seus anseios por
uma relação mais intensa com DEUS serão satisfeitos, mas de maneira diferente
do que ele havia imaginado. Certamente muitas vezes nós já imaginamos como
deveria ser nossa relação com DEUS. Achamos que junto a DEUS sentimos sempre
amor e proteção, e que em todas as situações podemos falar pessoalmente com
JESUS. mas só quando tenho coragem de mergulhar em minha obscura realidade, é
que meu inconsciente também entra em contato com DEUS. Sem o doloroso
autoconhecimento em que eu tomo consciência dos lados de sombra dentro de mim,
a relação com DEUS torna-se unilateral. Ela tenta passar por cima de minha
realidade. Isso pode no máximo levar a experiências efetivas com DEUS, mas que
não se sustentam. Justamente quando as pessoas falam euforicamente demais de suas
experiências espirituais a euforia é só o reverso da sexualidade reprimida. Na
euforia tenta-se fugir da própria sexualidade. Mas inevitavelmente se é
apanhado por ela. Muitos nem percebem que na euforia de seu amor por JESUS
acabam vivenciando suas necessidades sexuais. Querem libertar outras pessoas de
suas inibições, e assim utilizam-nas apenas para suas próprias necessidades de
proximidade e sexualidade. É um caminho doloroso e humilhante encarar a própria
carência e apresentá-la a DEUS. Só assim, as contradições internas tornam-se
uma fonte de vitalidade. Quando elas são evitadas, atiram a pessoa ao chão, com
violência.
Jung fala da dissociação, ou
dissociabilidade da psique. Com isso ele entende que os processos psíquicos
freqüentemente não têm conexão entre si, e que os processos inconsciente são
muitas vezes notavelmente independentes das vivências do consciente. O psiquiatra
sabe que a unidade da consciência, tão arduamente alcançada, pode desaparecer
muito rapidamente. Então parece que o ser humano passa a ser habitado por
muitas almas, independentes umas das outras.
O ser humano não constitui mais
nenhuma unidade, ele se desfaz em diversas partes. Jung conhece os dois
fenômenos – o primeiro, a existência de duas partes da psique independentes uma
da outra, que dão a impressão de que a pessoa é habitada por diversas almas.
Segundo, o fenômeno dos diversos pólos opostos, como espírito e instinto, consciência
e inconsciência. Muitas pessoas vivenciam ambos, hoje em dia. Muitas sentem que
nelas existem os mais diversos sentimentos, lado a lado, sem relacionar-se,
como se não tivessem nada a ver uns com os outros. Elas representam diversos
papéis, sem uma ligação. Ás vezes parecem ser duas pessoas diferentes, que
aparecem publicamente como benfeitoras da humanidade, ou mestres sábios, mas em
casa oprimem a família e agem egocentricamente.
Muitas
vezes não encontramos o caminho para reunir essas diversas almas em nosso
peito, porque não conseguimos ver a ligação entre elas. Mas quando reconhecemos
que essas partes, aparentemente não ligadas, comportam-se mutuamente como
opostas, então poderá surgir em nós uma unidade. Os opostos possuem a tendência
de se unirem. Da tensão entre os opostos produz-se no ser humano uma energia
que visa a reunião desses opostos. Portanto, quando reconhecemos que em casa
vivenciamos nosso lado egoísta, enquanto em público nos apresentamos como altruístas
demais, então nossa tarefa é remover o diálogo entre esses dois lados. Não
devemos desvalorizar esses dois lados, pois precisamos deles. Sem o egoísmo
ficaríamos totalmente sem recursos. Mas os dois lados não podem viver um ao
lado do outro sem nenhuma ligação. Nesse caso eles nos levariam a uma vida só
aparente, a uma fragmentação que nos dividiria e a qualquer momento nos
tornaria inverossímeis. Não posso deixar-me dominar pelo egoísmo, devo apenas
considerar sua função correta. Então ele poderá ajudar-me em minha
auto-contenção, quando muitos exigirem demais de mim. E ele também zelará para
que eu não me contenha demais. Quando atribuo a meu egoísmo sua dimensão
correta, posso colocar-me pleno de força e engajado em favor dos outros e
ajudá-los, sem medo de me exaurir com isso.
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