quinta-feira, 10 de agosto de 2017

ASSUMIR OS OPOSTOS;- ANSELM GRÜN


 
            O caminho que tento trilhar com as pessoas nos acampamentos não passa por uma elevação da espiritualidade, uma intensificação da relação com Deus, ou um aprofundamento dos lados bons. Pois se eu as incentivar para que orem e amem mais ainda, estarei levando-as a um beco sem saída. Elas se esforçarão em suprimir todos os elementos negativos dentro de si e se colocarão á disposição apenas de Deus. Mas desse jeito, em algum momento elas cairão em depressão, ou se sentirão envoltas pela escuridão. De repente elas não sentirão mais alegria com Deus ou com a vida espiritual. Não conseguirão esquivar-se da força de seus instintos, serão formalmente fragmentadas por eles. Então preciso estimulá-las a assumir o pólo oposto dentro delas. Elas precisam aceitar o fato de terem dentro de si também lados não divinos, de que algumas partes em seu interior não querem nem saber de Deus, de que alguns desejos absolutamente não se orientam pela vontade divina, mas são AOMRAIS. Ao invés de procurarem soluções rápidas na devoção, elas precisam primeiro encarar e aceitar sua instintividade.

            A vivência desses opostos produz o que os monges chamam de humildade, a coragem de descer até a própria humanidade, com suas necessidades vitais. Quando o ser humano se reconcilia com sua sombra, poderá encontrar o caminho para seu EU verdadeiro e descobrir Deus dentro de si. Só então seu caminho espiritual o levará adiante. E seus anseios por uma relação mais intensa com DEUS serão satisfeitos, mas de maneira diferente do que ele havia imaginado. Certamente muitas vezes nós já imaginamos como deveria ser nossa relação com DEUS. Achamos que junto a DEUS sentimos sempre amor e proteção, e que em todas as situações podemos falar pessoalmente com JESUS. mas só quando tenho coragem de mergulhar em minha obscura realidade, é que meu inconsciente também entra em contato com DEUS. Sem o doloroso autoconhecimento em que eu tomo consciência dos lados de sombra dentro de mim, a relação com DEUS torna-se unilateral. Ela tenta passar por cima de minha realidade. Isso pode no máximo levar a experiências efetivas com DEUS, mas que não se sustentam. Justamente quando as pessoas falam euforicamente demais de suas experiências espirituais a euforia é só o reverso da sexualidade reprimida. Na euforia tenta-se fugir da própria sexualidade. Mas inevitavelmente se é apanhado por ela. Muitos nem percebem que na euforia de seu amor por JESUS acabam vivenciando suas necessidades sexuais. Querem libertar outras pessoas de suas inibições, e assim utilizam-nas apenas para suas próprias necessidades de proximidade e sexualidade. É um caminho doloroso e humilhante encarar a própria carência e apresentá-la a DEUS. Só assim, as contradições internas tornam-se uma fonte de vitalidade. Quando elas são evitadas, atiram a pessoa ao chão, com violência.

            Jung fala da dissociação, ou dissociabilidade da psique. Com isso ele entende que os processos psíquicos freqüentemente não têm conexão entre si, e que os processos inconsciente são muitas vezes notavelmente independentes das vivências do consciente. O psiquiatra sabe que a unidade da consciência, tão arduamente alcançada, pode desaparecer muito rapidamente. Então parece que o ser humano passa a ser habitado por muitas almas, independentes umas das outras.

            O ser humano não constitui mais nenhuma unidade, ele se desfaz em diversas partes. Jung conhece os dois fenômenos – o primeiro, a existência de duas partes da psique independentes uma da outra, que dão a impressão de que a pessoa é habitada por diversas almas. Segundo, o fenômeno dos diversos pólos opostos, como espírito e instinto, consciência e inconsciência. Muitas pessoas vivenciam ambos, hoje em dia. Muitas sentem que nelas existem os mais diversos sentimentos, lado a lado, sem relacionar-se, como se não tivessem nada a ver uns com os outros. Elas representam diversos papéis, sem uma ligação. Ás vezes parecem ser duas pessoas diferentes, que aparecem publicamente como benfeitoras da humanidade, ou mestres sábios, mas em casa oprimem a família e agem egocentricamente.
            Muitas vezes não encontramos o caminho para reunir essas diversas almas em nosso peito, porque não conseguimos ver a ligação entre elas. Mas quando reconhecemos que essas partes, aparentemente não ligadas, comportam-se mutuamente como opostas, então poderá surgir em nós uma unidade. Os opostos possuem a tendência de se unirem. Da tensão entre os opostos produz-se no ser humano uma energia que visa a reunião desses opostos. Portanto, quando reconhecemos que em casa vivenciamos nosso lado egoísta, enquanto em público nos apresentamos como altruístas demais, então nossa tarefa é remover o diálogo entre esses dois lados. Não devemos desvalorizar esses dois lados, pois precisamos deles. Sem o egoísmo ficaríamos totalmente sem recursos. Mas os dois lados não podem viver um ao lado do outro sem nenhuma ligação. Nesse caso eles nos levariam a uma vida só aparente, a uma fragmentação que nos dividiria e a qualquer momento nos tornaria inverossímeis. Não posso deixar-me dominar pelo egoísmo, devo apenas considerar sua função correta. Então ele poderá ajudar-me em minha auto-contenção, quando muitos exigirem demais de mim. E ele também zelará para que eu não me contenha demais. Quando atribuo a meu egoísmo sua dimensão correta, posso colocar-me pleno de força e engajado em favor dos outros e ajudá-los, sem medo de me exaurir com isso.

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