Na espera de realizar esta passagem com o corpo no último dia, o cristão deve fazê-la com o coração, cada dia. Mas esta passagem do coração para aquilo que não passa não tira o cristão dos deveres históricos que tem neste mundo? São conhecidas as acusações feitas pelos crentes a este respeito;- os cristãos, disse HEGEL, desperdiçam no céu os tesouros destinados á terra! KARL MARX afirmou;- eles projetam no céu os seus desejos não satisfeitos na terra. A narrativa da ascensão de CRISTO ao céu nos oferece o argumento para responder a essas objeções. É curioso ouvir da boca dos dois (homens em brancas vestes), que aparecem aos apóstolos, a mesma repreensão que, em tons menos amáveis, foi frequentemente dirigida aos cristãos por parte dos não crentes;- PORQUE ESTAIS OLHANDO PARA O CÉU? Precisemos antes de tudo, o que significa a palavra céu na linguagem cristã e que relação tem ela com a vida presente na terra. Lembremo-nos do famoso mito da caverna de PLATÃO. Imagine – escreve o filósofo – esta cena. Alguns homens ficaram presos no fundo de uma caverna escura, com as costas voltadas para a entrada. Estão presos de tal modo que não podem olhar a não ser para a frente, para a parede do fundo. Ás suas costas, atrás de uma parede, está o povo que vai e vem, trazendo vários objetos nas mãos ou na cabeça. Entre a entrada da gruta e essas pessoas com os vários objetos há um fogo que projeta as próprias sombras na parede do fundo, a única que os prisioneiros podem ver. Nunca tendo visto nada, as pessoas presas na gruta pensam que aquelas sombras são a única realidade, que nada mais existe. Tanto que se alguém consegue se libertar e sair e depois volta atrás, tentando contar os prisioneiros como as coisas são realmente, estes o matarão, pensando que por causa da luz excessiva perderam a cabeça. (PLATÃO ALUDE ÁQUILO QUE OS ATENIENSES FIZERAM COM SÓCRATES!).
Esta, diz PLATÃO, é a condição de nós, homens, no mundo. O mundo é uma caverna. As coisas que acreditamos verdadeiras e reais não são mais que sombras de realidades que se encontram lá em cima, no céu. São imitações de realidades celestes. É preciso desvencilhar-nos do corpo que nos prende á matéria e ás ilusões, sair da caverna, para conhecer a realidade verdadeira. Rafael sintetizou magistralmente o pensamento de PLATÃO no famoso quadro chamado LA SCUOLA DI ATENE. Nele vemos os dois maiores filósofos antigos, PLATÃO e ARISTÓTELES, representados em atitudes opostas. Aristóteles, com a mão voltada para baixo, diz que a realidade está na terra e que nosso conhecimento deve partir das coisas que vemos e tocamos; PLATÃO, com o dedo voltado para cima, lembra que a realidade está no alto, no céu. Há frases da escritura que parecem feitas nos moldes como PLATÃO vê as coisas, ilustrado pelo mito da caverna. O personagem do quadro de RAFAEL com o dedo apontado para o céu poderia muito bem ser SÃO PAULO quando diz;- SE RESSUSCITASTES COM CRISTO, BUSCAI AS COISAS DO ALTO, ONDE CRISTO ESTÁ ENTRONIZADO Á DIREITA DE DEUS;- CUIDAI DAS COISAS DO ALTO, NÃO DO QUE É DA TERRA.
Então, a fé cristã não seria mais que uma forma atualizada de platonismo? Nada de novo teria acontecido com a vinda de CRISTO? Não, há diferença substancial;- o céu dos cristãos não é o mesmo de PLATÃO. Quando falamos de céu, não entendemos um lugar que está acima de nós, nem mesmo o mundo superior das ideias, ou hiperurânio;- entendemos um ACONTECIMENTO que está diante de nós. Depois de perguntar aos apóstolos;- PORQUE ESTAIS OLHANDO PARA O CÉU? – OS DOIS ANJOS LHES DIZEM EM QUE DIREÇÃO, AO CONTRÁRIO, DEVEM OLHAR – ISTO É, PARA A VOLTA DO SENHOR;- ESTE JESUS QUE, DO MEIO DE VÓS, FOI ELEVADO AO CÉU, VIRÁ ASSIM, DO MESMO MODO COMO O VISTES PARTIR PARA O CÉU. São Paulo diz a mesma coisa;- NÓS, AO CONTRÁRIO, SOMOS CIDADÃOS DO CÉU. De lá aguardamos como salvador o SENHOR JESUS CRISTO. O céu da fé CRISTÃ é, em última análise, uma pessoa;- é o CRISTO ressuscitado com o qual iremos nos juntar e formar CORPO depois da nossa ressurreição e, provisória e imperfeitamente, já logo depois da morte. Ir para o céu, ou ir para o paraíso, significa ir estar COM CRISTO. Vou preparar um lugar para vós, disse Jesus, a fim de que onde eu estiver, estejais vós também.
Isto faz uma diferença enorme. Aos olhos de PLATÃO, este mundo perdia todo valor, era para ele uma caverna, isto é, uma prisão. Fugir – evadir-se do mundo torna-se, neste caso, a palavra de ordem. Não há salvação da carne e do mundo, mas somente saindo da carne e saindo do mundo. Para o cristão, não. O corpo não é um simples VEÍCULO ou RECIPIENTE que deve ser deixado aqui embaixo. Ele é destinado a participar, com a alma, da glória. Esta vida é tão doce, nós queremos ser felizes nesta nossa carne, não sem ela, e a fé nos garante que assim será. Ainda mais;- se este mundo é de DEUS, criado por ele e na espera, também ele, da plena redenção, então, não somente não podemos nos desinteressar de sua sorte, mas devemos contribuir para a sua conservação e para o seu melhoramento. Não é preciso fugir do mundo para estar com o SENHOR, porque o SENHOR está ele mesmo neste mundo;- EIS QUE ESTOU CONVOSCO TODOS OS DIAS, ATÉ O FIM DOS TEMPOS. Longe de nos desvencilharmos do dever de melhorar as condições de vida neste mundo, a fé na volta de CRISTO e em uma vida futura torna-se um estímulo formidável que não deixa ninguém tranquilo na sua preguiça. O tempo nos é dado para fazer o bem a todos, dizia SÃO PAULO. Nada de desperdiçar no céu os tesouros destinados para a terra! Alguém poderia perguntar;- mas o que faremos no céu com CRISTO por toda a eternidade, uma vez que é para lá que estamos destinados a ir? Não nos aborrecemos? Respondo;- ficamos aborrecidos quando estamos bem e com ótima saúde? Perguntem aos namorados se aborrecem quando estão juntos. Quando nos acontece viver um momento de alegria muito intensa e pura, não nasce talvez em nós o desejo de que isto dure para sempre, que não termine nunca?
Aqui embaixo esses estados não duram para sempre, porque não existe um objeto que possa satisfazer indefinidamente. Com DEUS é diferente. A nossa mente encontrará nele a VERDADE e a BELEZA que não terminará nunca de contemplar, e nosso coração encontrará o BEM do qual jamais se cansará de gozar. Quero terminar com uma história simpática. Em um mosteiro medieval viviam dois monges ligados entre si por amizade profunda. Um chamava-se RUFO e o outro, RUFINO. Em todas as horas livres, não faziam outra coisa a não ser imaginar e descrever como seria a vida eterna na JERUSALÉM celeste. Rufo, que era um mestre de obras, a imaginava como uma cidade com portas de ouro, cravejada de pedras preciosas;- RUFINO, que era organista, como toda vibrante de melodias celestes. No fim, fizeram um acordo;- aquele que morresse primeiro deveria voltar na noite seguinte para confirmar ao amigo que as coisas eram justamente como tinham imaginado. Bastaria uma palavra;- se fossem como tinham pensando, diria simplesmente;- TALITER! , isto é, exatamente assim;- se fossem diferentes ( mas isto era impossível) , diria aliter, diferente!!!
Uma tarde, enquanto estava ao órgão, o coração de RUFINO parou. O amigo o velou tremendo a noite toda, mas nada;- esperou em vigílias e jejuns durante semanas e meses, e nada. Finalmente, no aniversário de morte, de noite, o amigo entra em sua cela em um raio de luz. Vendo que estava calado, ele lhe perguntou, seguro da resposta afirmativa;- taliter? É assim, não é? Mas o amigo balança a cabeça em sinal negativo. Desesperado, grita então;- aliter? É diferente?
De novo um sinal negativo da cabeça. E, finalmente, dos lábios fechados do amigo saem, como um sopro, como um sopro, duas palavras;- TOTALITER ALITER;- é totalmente diferente! Rufo compreendeu em um momento que o céu é finalmente mais do que aquilo que tinham imaginado, que não se pode descrevê-lo. Logo depois, morre também ele, pela vontade de alcançá-lo. O fato é uma lenda, mas seu conteúdo é muito verdadeiro.
Um dia, quando subirmos á verdadeira sala elevada onde se celebra a PÁSCOA eterna, estou seguro de que virão espontâneas aos lábios, também para nós, aquelas duas palavras;- TOTALITER ALITER! É TOTALMENTE DIFERENTE!
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