Quando as necessidades para garantir
a sobrevivência são grandes, as pessoas não tem interesse em desenvolver o
pensamento. A este respeito há um episódio interessante na história da
filosofia. Will Durant, autor do famoso livro História da filosofia, tenta
justificar porque a Europa produziu qualitativamente mais pensadores na
literatura e na filosofia do que os Estados Unidos. Ele comenta que a
Inglaterra precisou de 800 anos desde sua fundação até Shakespeare e que a
França precisou também de 800 anos para chegar a Montaigne, enquanto que nós
tivemos de gastar nossas energias abrindo clareiras em nossas grandes florestas
e extraindo a riqueza do nosso solo;- ainda não tivemos tempo de produzir uma
literatura nacional e uma filosofia madura.
A Inglaterra e a França e outros
países demoraram muitos séculos para produzir um corpo de pensadores na
filosofia, na literatura, nas artes, etc. de fato, o pensamento filosófico na
Europa é mais maduro do que nos Estados Unidos. Durant justifica esse fato
dizendo que a sociedade americana esteve muito ocupada nos últimos séculos com
suas necessidades de sobrevivência, com o desenvolvimento social. Embora não
seja uma regra matemática, a produção de pensadores tem alguma relação com o
atendimento das necessidades básicas de sobrevivência, com o desenvolvimento
social. Primeiro deve ser atendidas as necessidades básicas, para depois
florescer um pensamento mais maduro e coletivo. Claro que o pensamento pode
florescer individualmente em meio a crises sociais, pobreza material, guerras,
etc. entretanto, a formação de um corpo de pensadores está ligada ao
desenvolvimento social. O pensamento se comporta, ás vezes, como o vinho;-
quanto mais velho e amadurecido, melhor o paladar.
O argumento de Durant, portanto, tem
fundamento e vai ao encontro da tese que abordei sobre a prevalência do homem
instintivo (animal) sobre o homem pensante nas situações estressantes. As
necessidades materiais básicas que garantem a sobrevivência – como moradia,
saúde e alimentação – tendem a prevalecer sobre as necessidades psicológicas.
Quando as necessidades básicas são atendidas, elas tendem a libertar o
pensamento e expandi-lo para expressar a arte. A arte tem certa ligação com a
dor, não a dor da sobrevivência, instintiva, mas a dor das crises existenciais,
a dor da alma, que envolve os conflitos psíquicos e sociais. Raramente as
pessoas se interessam em pensar quando precisam lutar para sobreviver.
Raramente o mundo das idéias se expande quando o corpo é pressionado pela dor
da fome, quando a vida é castigada pela miséria. Porém, Cristo rompeu esse
paradigma, que norteia tanto minha tese como o argumento de Durant.
Cristo brilhou na sua inteligência,
embora desde a infância tivesse sido castigado pela pobreza. Além disso, o que
é mais interessante, ele induziu as pessoas da sua época, tão castigadas pela
miséria física e psicológica, a ter fome do saber que transcendia as
necessidades básicas de sobrevivência. Na época de Cristo, o povo de Israel
vivia sob o domínio do Império Romano. Sobreviver era difícil. A fome e a
miséria faziam parte da vida daquele povo. A produção de alimentos era escassa
e, ainda assim, as pessoas tinham de pagar pesados impostos, pois havia
coletores (publicanos) espalhados por todo o território de Israel.
Se olharmos para a miséria do povo
de Israel e para o jugo imposto pelo Império Romano, constataremos que Cristo
não veio na melhor época para expor seu complexo e audacioso projeto de
transformar o ser humano. Se tivesse vindo numa época em que houvesse menos
miséria e o sistema de comunicação estivesse desenvolvido, seu trabalho seria
facilitado. Porém, há muitos pontos em sua vida que fogem aos nossos
conceitos;- NASCEU NUMA MANJEDOURA, NÃO GOSTAVA DE OSTENTAR, ESCOLHEU UMA
EQUIPE DE DISCÍPULOS DESQUALIFICADA, SILENCIOU DURANTE SEU JULGAMENTO. AS
PESSOAS NA ÉPOCA DE CRISTO ESTAVAM PREOCUPADAS EM SE ALIMENTAR E NÃO EM PENSAR,
PORÉM, DESCOBRIRAM QUE NÃO SÓ DE PÃO VIVE O SER HUMANO.
Os fariseus e os sacerdotes não
tinham qualquer brilho na época. Cristo brilhou num ambiente em que raramente
era possível brilhar. Embora naquele tempo as pessoas tivessem todos os motivos
para não se interiorizar, elas abandonavam as suas casas e o pouco que tinham e
iam para regiões desérticas ouvir as palavras sofisticadas e incomuns desse
atraente mestre. É difícil encontrar uma pessoa intelectualmente atraente e
interessante na sociedade moderna. Para tornar as pessoas atraentes, a mídia
tem de maquiá-las, dar colorido as suas palavras e seus gostos. Todavia, o
carpinteiro de Nazaré era um homem que atraía multidões sem precisar de nenhuma
publicidade.
Algumas pessoas ás vezes viajavam
durante vários dias, tendo de dormir ao relento, para ouvi-lo. O estranho é que
Cristo não prometia uma vida fácil nem fartura material. Não prometia um reino
político nem uma terra da qual manava leite e mel, como Moisés. Ele discursava
sobre uma outra esfera, um reino dentro do ser humano, que implicava um
processo de transformação íntima. Não havia despertador, mas as pessoas
levantavam muito cedo para ir ao seu encontro. Creio que muitas tinham insônia
de tão intrigadas que ficavam com os pensamentos de Cristo. Alguns textos dizem
que as multidões nem mesmo esperavam o sol raiar para procurá-lo. Dificilmente
houve na história um mestre tão cativante quanto ele. Embora não houvesse um
local definido para ele se encontrar com as pessoas, elas se encarregavam de
achá-lo. Sob o impacto das suas palavras, eram estimuladas a se repensar e a
pensar nos mistérios da existência. O pensamento não estava
institucionalizado;- todos eram livres para ouvir e aprender, apesar das
dificuldades que atravessavam. Cristo tinha coragem tanto para expor seus
pensamentos como para permitir que as pessoas o abandonassem. É muito difícil
reunir essas duas características numa mesma pessoa. Quem tem coragem para
expor seus pensamentos geralmente controla aqueles que o seguem e
restringe-lhes a liberdade. Mas Cristo era diferente. Um dia ele chegou diante
dos seus discípulos e deu plena liberdade para que o deixassem. Até perguntou;-
VOCÊS QUEREM ME ABANDONAR? Sua capacidade para expor os pensamentos e não
impô-lo é singular. Ele apenas fazia convites que ecoavam naqueles ares;- QUEM
TEM SEDE VENHA A MIM E BEBA.
O registro no capítulo 4 do
evangelho de Mateus mostra-nos que, quando Cristo estava caminhando junto ao
mar da Galiléia, ele viu Pedro, André, Tiago e João, que estavam pescando ou
remendando redes. Então ele os chamou, dizendo;- VINDE APÓS MIM! Imediatamente
eles o seguiram, deixando seus barcos e suas atividades. Até hoje tenho
dificuldade para compreender porque quando ele simplesmente disse VINDE APÓS
MIM os discípulos logo reagiram e o seguiam. Havia um intenso carisma nas
palavras e no semblante daquele mestre que atraía as pessoas. Cristo cativou tanto as pessoas que elas não
conseguiam aceitar a hipótese de se separarem dele. Quando ele foi crucificado,
elas batiam no peito inconformadas. Talvez dissessem para si mesmas;- como pode
alguém que mudou nossas vidas e nos deu um novo sentido existencial passar por
uma morte tão dolorosa e ultrajante? Como pode alguém tão inteligente e
poderoso não ter usado sua força e capacidade intelectual para escapar do
próprio julgamento? Era muito difícil para elas compreenderem as conseqüências
e as implicações da crucificação de cristo.
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