quinta-feira, 10 de agosto de 2017

CRISTO ROMPE A MINHA TESE E O ARGUMENTO DE WILL DURANT;AUGUSTO CURY.


 
 

            Quando as necessidades para garantir a sobrevivência são grandes, as pessoas não tem interesse em desenvolver o pensamento. A este respeito há um episódio interessante na história da filosofia. Will Durant, autor do famoso livro História da filosofia, tenta justificar porque a Europa produziu qualitativamente mais pensadores na literatura e na filosofia do que os Estados Unidos. Ele comenta que a Inglaterra precisou de 800 anos desde sua fundação até Shakespeare e que a França precisou também de 800 anos para chegar a Montaigne, enquanto que nós tivemos de gastar nossas energias abrindo clareiras em nossas grandes florestas e extraindo a riqueza do nosso solo;- ainda não tivemos tempo de produzir uma literatura nacional e uma filosofia madura.

            A Inglaterra e a França e outros países demoraram muitos séculos para produzir um corpo de pensadores na filosofia, na literatura, nas artes, etc. de fato, o pensamento filosófico na Europa é mais maduro do que nos Estados Unidos. Durant justifica esse fato dizendo que a sociedade americana esteve muito ocupada nos últimos séculos com suas necessidades de sobrevivência, com o desenvolvimento social. Embora não seja uma regra matemática, a produção de pensadores tem alguma relação com o atendimento das necessidades básicas de sobrevivência, com o desenvolvimento social. Primeiro deve ser atendidas as necessidades básicas, para depois florescer um pensamento mais maduro e coletivo. Claro que o pensamento pode florescer individualmente em meio a crises sociais, pobreza material, guerras, etc. entretanto, a formação de um corpo de pensadores está ligada ao desenvolvimento social. O pensamento se comporta, ás vezes, como o vinho;- quanto mais velho e amadurecido, melhor o paladar.

            O argumento de Durant, portanto, tem fundamento e vai ao encontro da tese que abordei sobre a prevalência do homem instintivo (animal) sobre o homem pensante nas situações estressantes. As necessidades materiais básicas que garantem a sobrevivência – como moradia, saúde e alimentação – tendem a prevalecer sobre as necessidades psicológicas. Quando as necessidades básicas são atendidas, elas tendem a libertar o pensamento e expandi-lo para expressar a arte. A arte tem certa ligação com a dor, não a dor da sobrevivência, instintiva, mas a dor das crises existenciais, a dor da alma, que envolve os conflitos psíquicos e sociais. Raramente as pessoas se interessam em pensar quando precisam lutar para sobreviver. Raramente o mundo das idéias se expande quando o corpo é pressionado pela dor da fome, quando a vida é castigada pela miséria. Porém, Cristo rompeu esse paradigma, que norteia tanto minha tese como o argumento de Durant.

            Cristo brilhou na sua inteligência, embora desde a infância tivesse sido castigado pela pobreza. Além disso, o que é mais interessante, ele induziu as pessoas da sua época, tão castigadas pela miséria física e psicológica, a ter fome do saber que transcendia as necessidades básicas de sobrevivência. Na época de Cristo, o povo de Israel vivia sob o domínio do Império Romano. Sobreviver era difícil. A fome e a miséria faziam parte da vida daquele povo. A produção de alimentos era escassa e, ainda assim, as pessoas tinham de pagar pesados impostos, pois havia coletores (publicanos) espalhados por todo o território de Israel.

            Se olharmos para a miséria do povo de Israel e para o jugo imposto pelo Império Romano, constataremos que Cristo não veio na melhor época para expor seu complexo e audacioso projeto de transformar o ser humano. Se tivesse vindo numa época em que houvesse menos miséria e o sistema de comunicação estivesse desenvolvido, seu trabalho seria facilitado. Porém, há muitos pontos em sua vida que fogem aos nossos conceitos;- NASCEU NUMA MANJEDOURA, NÃO GOSTAVA DE OSTENTAR, ESCOLHEU UMA EQUIPE DE DISCÍPULOS DESQUALIFICADA, SILENCIOU DURANTE SEU JULGAMENTO. AS PESSOAS NA ÉPOCA DE CRISTO ESTAVAM PREOCUPADAS EM SE ALIMENTAR E NÃO EM PENSAR, PORÉM, DESCOBRIRAM QUE NÃO SÓ DE PÃO VIVE O SER HUMANO.

            Os fariseus e os sacerdotes não tinham qualquer brilho na época. Cristo brilhou num ambiente em que raramente era possível brilhar. Embora naquele tempo as pessoas tivessem todos os motivos para não se interiorizar, elas abandonavam as suas casas e o pouco que tinham e iam para regiões desérticas ouvir as palavras sofisticadas e incomuns desse atraente mestre. É difícil encontrar uma pessoa intelectualmente atraente e interessante na sociedade moderna. Para tornar as pessoas atraentes, a mídia tem de maquiá-las, dar colorido as suas palavras e seus gostos. Todavia, o carpinteiro de Nazaré era um homem que atraía multidões sem precisar de nenhuma publicidade.

            Algumas pessoas ás vezes viajavam durante vários dias, tendo de dormir ao relento, para ouvi-lo. O estranho é que Cristo não prometia uma vida fácil nem fartura material. Não prometia um reino político nem uma terra da qual manava leite e mel, como Moisés. Ele discursava sobre uma outra esfera, um reino dentro do ser humano, que implicava um processo de transformação íntima. Não havia despertador, mas as pessoas levantavam muito cedo para ir ao seu encontro. Creio que muitas tinham insônia de tão intrigadas que ficavam com os pensamentos de Cristo. Alguns textos dizem que as multidões nem mesmo esperavam o sol raiar para procurá-lo. Dificilmente houve na história um mestre tão cativante quanto ele. Embora não houvesse um local definido para ele se encontrar com as pessoas, elas se encarregavam de achá-lo. Sob o impacto das suas palavras, eram estimuladas a se repensar e a pensar nos mistérios da existência. O pensamento não estava institucionalizado;- todos eram livres para ouvir e aprender, apesar das dificuldades que atravessavam. Cristo tinha coragem tanto para expor seus pensamentos como para permitir que as pessoas o abandonassem. É muito difícil reunir essas duas características numa mesma pessoa. Quem tem coragem para expor seus pensamentos geralmente controla aqueles que o seguem e restringe-lhes a liberdade. Mas Cristo era diferente. Um dia ele chegou diante dos seus discípulos e deu plena liberdade para que o deixassem. Até perguntou;- VOCÊS QUEREM ME ABANDONAR? Sua capacidade para expor os pensamentos e não impô-lo é singular. Ele apenas fazia convites que ecoavam naqueles ares;- QUEM TEM SEDE VENHA A MIM E BEBA.

            O registro no capítulo 4 do evangelho de Mateus mostra-nos que, quando Cristo estava caminhando junto ao mar da Galiléia, ele viu Pedro, André, Tiago e João, que estavam pescando ou remendando redes. Então ele os chamou, dizendo;- VINDE APÓS MIM! Imediatamente eles o seguiram, deixando seus barcos e suas atividades. Até hoje tenho dificuldade para compreender porque quando ele simplesmente disse VINDE APÓS MIM os discípulos logo reagiram e o seguiam. Havia um intenso carisma nas palavras e no semblante daquele mestre que atraía as pessoas.  Cristo cativou tanto as pessoas que elas não conseguiam aceitar a hipótese de se separarem dele. Quando ele foi crucificado, elas batiam no peito inconformadas. Talvez dissessem para si mesmas;- como pode alguém que mudou nossas vidas e nos deu um novo sentido existencial passar por uma morte tão dolorosa e ultrajante? Como pode alguém tão inteligente e poderoso não ter usado sua força e capacidade intelectual para escapar do próprio julgamento? Era muito difícil para elas compreenderem as conseqüências e as implicações da crucificação de cristo.

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