A purificação das faculdades
espirituais como (via crucis) e morte na
cruz.
O despojamento necessário para a
união transformadora é levado a efeito no entendimento pela fé;- na memória
pela esperança;- na vontade pelo amor. Quanto á fé, já dissemos que ela
comunica ao entendimento um conhecimento certo, porém obscuro.; mostra Deus
como luz inacessível, ser inconcebível e infinito, que está acima de toda a
capacidade natural e, por isso mesmo, a fé reduz a razão ao nada, levando-a a
reconhecer sua incapacidade diante da grandeza de Deus. a esperança esvazia a
memória, levando-a a ocupar-se com algo que não possui. Porque o que alguém vê,
como é que ainda espera? Ela nos ensina que devemos esperar tudo de Deus e nada
de nós mesmos ou das criaturas;- ensina-nos que devemos aguardar de Deus a bem
aventurança sem fim, e por isso, renunciar nesta vida a quaisquer gozos e a
quaisquer posses. O amor, sem enfim, liberta a vontade de todas as coisas,
obrigando-a a amar a Deus acima de tudo, o que só é possível se excluídos os
desejos das coisas criadas. Já se disse que esse caminho de completo
despojamento é o caminho estreito que somente poucos encontram;- é o caminho
que conduz á alta montanha da perfeição e que só pode ser trilhado por quem estiver
livre de qualquer peso que o arraste para baixo.
É o caminho da cruz, para o qual o
Senhor convida os seus discípulos;- se alguém me quer seguir, renuncie-se a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Porque o que quiser salvar a sua vida vai
perdê-la, mas o que perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará. O que se
exige não é somente um certo isolamento e algum progresso numa ou noutra coisa,
um pouco mais de oração e um tanto de mortificação, enquanto se conservam
também certos prazeres e sensações, mesmo que espirituais. Os que com isso se
contentarem recuarão assustados como diante da morte, quando se lhes apresentar
algo do que é sólido e perfeito, como a aniquilação de toda a suavidade em
Deus, aridez, tédio e trabalhos penosos. É nessa a pura cruz espiritual, e a
nudez do espírito pobre, segundo Cristo.
O respeito é, quando muito,
buscar-se a si mesmo em Deus é buscar os dons e deleites de Deus;- mas buscar a
Deus nele próprio é não só querer ver-se privado de tudo aquilo por Deus, mas
inclinar-se a escolher alegremente, por Cristo, tudo quanto for mais amargo,
seja em Deus, seja no mundo- este é o amor de Deus. Odiar sua vida, e por isso
salvá-la, significa renunciar, por Cristo, a tudo quanto a vontade possa
apetecer e saborear, escolhendo o que mais se parece com a cruz de Cristo.
Beber o cálice do Senhor- significa morrer para a natureza, quer sensível, quer
espiritual. Só assim se trilha o caminho estreito, pois nele não cabe mais que
a abnegação e a cruz, a qual é o corrimão para subir, que muito alivia e
suaviza a caminhada. É por isso que Jesus disse;- meu jugo é suave, e meu fardo
é leve. Este fardo é a cruz;- porque se o homem se decide a sujeitar-se a
carregar essa cruz, quer dizer, procura em tudo, por amor a Deus, as fadigas, e
as toma sobre si alegremente, encontrará de fato grande alívio e doçura em
todas as coisas e caminhará nesta completa renúncia sem desejar coisa alguma.
As almas de vida espiritual deverão compreender que esse caminho de Deus não
consiste na multiplicidade de meditações ou determinados exercícios ascéticos,
ou deleites e gozos...- mas em uma só coisa necessária;- saber abnegar-se
seriamente, no exterior e no interior, entregando-se ao sofrimento por Cristo,
e aniquilando-se em tudo. Quem praticar tudo isso encontrará tudo, e mais do
que aquela forma de agir, ao passo que, havendo falha nesse exercício, verá que
todos os demais exercícios virtuosos são como andar e não avançar, ainda que
pratique meditações e comunicações tão elevadas quanto as dos anjos. O caminho
é Cristo. Tudo depende de entender bem e seguir o seu exemplo;- em primeiro
lugar é certo que ele morreu;- tomado isso em sentido espiritual, morreu durante
toda a sua vida para tudo aquilo que se refere aos sentidos e, tomado em
sentido natural, em sua morte carnal (real) morreu para tudo. Pois, como ele
mesmo disse;- o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.
Segundo, é certo que á hora da morte
ele esteve também completamente abandonado no íntimo da alma, sem consolo ou
alívio algum, deixando-o o Pai assim, em íntima aridez da esfera sensível –
motivo porque necessitou clamar, dizendo;- MEU DEUS, MEU DEUS, PORQUE ME
ABANDONESTES? Este foi o maior desamparo
sensível que chegou a experimentar em sua vida;- e assim, por meio dele,
realizou a maior obra de sua vida, maior do que aquelas que havia realizado em
sinais e milagres...- reconciliou e uniu o gêneo humano a Deus, pela graça. E
isso aconteceu, no ponto exato em que o Senhor esteve mais aniquilado em tudo;-
tanto na consideração dos homens que, vendo-o morrer na cruz, antes zombavam
dele...- como em sua natureza, onde se aniquilava morrendo;- e ainda, quanto ao
amparo e consolo do Pai, que nesse momento o desamparou para que por si próprio
pagasse a divida e unisse o homem a Deus...
Tomando tudo isso em consideração, é
de esperar que a alma verdadeiramente espiritual entenda o mistério da porta
estreita e do caminho de Cristo para se unir a Deus, e saiba que, quanto mais
se aniquila por Deus, sensível e espiritualmente, tanto mais se une a ele e
tanto maior a obra que ele faz. E quando vier a ficar reduzida ao nada, o que
constitui a suprema humilhação, estará realizada a união espiritual entre a
alma e Deus, o mais alto estado a que nesta vida se pode chegar. Essa união não
consiste, pois, em recreações, gozos e sensações espirituais, mas NUMA VIVA
MORTE DE CRUZ, SENSÍVEL E ESPIRITUAL, INTERIOR E EXTERIOR. -------------------------------------------------------------------
REFLEXÃO PARA A QUARESMA;-
depois de tua cruz, nenhum sofrimento ou
injustiça humana é indiferente a Deus, pois seu próprio filho os padeceu.
Ninguém nesta vida pode dizer que foi abandonado em sua dor, porque Jesus
caminha adiante, e revive em cada cruz seu sacrifício e entrega. Apesar disso,
meu Deus, como me é custosa a minha cruz, como me custa a cruz dos meus irmãos!
Quisera desde já acabar com todo o mal dentro e fora de mim, mas tenho de
conviver com ele até que venhas e me julgues, até que a luz seja plena e o amor
seja uma realidade visível para todos.
Os pagãos, os que não te
conhecem, não sabem que têm um Pai que deles se ocupa, é esta a grande
diferença. Levanto meus olhos para falar-te como uma criança;- abaixo meu olhar
para encontrar-te como pecador, abro meus braços para abraçar-te, beijar-te, e
te chamar;- PAI, MEU BOM PAI. E ME DEIXO ABRAÇAR-TE POR TI. ASSIM É QUE POSSO
REZAR O pai nosso, QUE EMBORA O RECITE DE COR, RENOVA MINHA CONFIANÇA E
SERENIDADE. AMÉM.
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