Passar para aquilo que não passa;- A
Páscoa Eterna;- UMA PÁSCOA DE SUBIDA;- a tradição bíblica e patrística
interpretou a idéia pascal da passagem de vários modos;- como passagem sobre
(hyperbasis), como passagem através de (diabasis), como passagem para o alto;-
(anabasis), como passagem para fora (exodus), como passagem para diante
(progressio). A Páscoa é uma passagem sobre quando indica Deus, ou o seu anjo,
que passa e sobrevoa, sem ferir, as casas dos hebreus no Egito- é uma passagem
de quando indica o povo que passa do Egito para a terra prometida e da
escravidão para a liberdade;- é uma passagem para o alto quando o homem passa
das coisas daqui de baixo para as coisas lá do céu;- é uma passagem para fora,
um êxodo, quando o homem sai da escravidão do pecado;- é uma passagem para
diante quando o homem progride na santidade e no bem.
Nesta última meditação, queremos
refletir sobre a passagem para o alto. Orígenes diz que a Páscoa sempre faz
subindo;- Jesus a celebrou na sala elevada e também o cristão deve subir para
celebrar a Páscoa com ele. Ninguém que celebra a Páscoa como Jesus quer ficar
no plano inferior. Trazemos mais uma vez á mente o conhecido dístico latino;- a
história diz aquilo que aconteceu, a alegoria, o que se deve crer, a moral, o
que fazer, a anagogia, para onde ir. A palavra anagogia quer dizer;-
literalmente, movimento ou impulso para o alto, subida, ascensão. No uso
cristão, esta palavra terminou reunindo em si todo o vasto campo do ainda não,
diferente do já realizado na vida de Cristo e da igreja;- em outras palavras, a
tensão escatológica da vida cristã.
A anagogia tomou duas direções
diferentes;- a especulativa, que consiste em uma reflexão teológica sobre as
realidades últimas ( o tratado teológico sobre os novíssimos), ou a prática,
que consiste em tender de fato para as coisas últimas, no ser constantemente
orientadas para os bens eternos. Santo Agostinho ilustrou bem a diferença entre
as duas coisas. Quando se quer atravessar um braço de mar, dizia, a coisa mais
importante não é ficar parado na margem e perscrutar o horizonte para ver o que
há na margem oposta, mas é subir na barca que leva aquela margem. Sabe-se
quanta a tensão escatológica está presente nos discursos de Cristo e na
comunidade cristã primitiva.
A Páscoa Eterna;- a mesma eucaristia
é celebrada na espera da sua vinda. Um olhar para a história nos ajudará a
descobrir quando e como esta espera começou a fazer parte da celebração da
Páscoa e nela marcou o clima e o conteúdo.
Páscoa e espera;- São Jerônimo fala
de uma tradição apostólica segundo a qual Cristo teria voltado durante a noite
da Páscoa;- diz até que no seu tempo não era permitido, na vigília pascal,
despedir o povo antes da meia noite, porque até aquele momento, segundo a
palavra de Jesus, era sempre possível que acontecesse a volta gloriosa de
Cristo. O primeiro testemunho desta tradição é de Latâncio, que escreve;- ESTA
É A NOITE QUE NÓS CELBRAMOS COM UMA VIGILIA POR CAUSA DA VINDA DO NOSSO REI E
DEUS. A RAZÃO DESTA NOITE É DUPLA;- PORQUE NELA ELE RECEBEU A VIDA DEPOIS DA
SUA PAIXÃO E PORQUE NELA RECEBERÁ, UM DIA, O REINO DO MUNDO.
Existiu, portanto, no cristianismo
antigo uma tradição que ligava, também cronologicamente, Páscoa e parusia. Mas,
já no fim do século II, o clima sobre este assunto tinha mudado. Da segunda
vinda, ou da volta de Cristo, a atenção se desloca para a primeira vinda, isto
é, a encarnação, do futuro para o passado. Para provocar esta mudança havia a
heresia do docetismo e a tentativa perseguida pelo gnosticismo de esvaziar de
significado os acontecimentos históricos da vida terrena de Cristo, reduzindo
tudo á aparência. Neste clima, os autores cristãos do século II acham
particularmente apropriada a escatologia de João do (já realizado), que situa o
ponto decisivo da história não já na frente, no cumprimento do fim, mas no
passado, no acontecimento fundamental da encarnação e da morte redentora de
Cristo. COM ELA JÁ FOI INAUGURADA A ERA DO FIM. Memória e espera continuarão a
estar ambas no coração da Páscoa cristã, mas o acento está decisivamente na
primeira. A Páscoa, como a eucaristia, é essencialmente MEMORIAL da morte e
ressurreição de Cristo. A espera da iminente volta de Cristo já toma a forma de
uma orientação constante para as coisas lá do alto. Nasce a anagogia. Depois da
alegoria que edifica a fé, e de moral que edifica a caridade, a anagogia
edifica a esperança.
Neste sentido, pode-se dizer que a
vigília pascal cristã é uma liturgia da esperança. Seu objeto;- desde que tinha
sido superada qualquer sugestão milenarista, é essencialmente ultra mundano.
Para Orígenes, a Páscoa acontece quando são expostos os mistérios do século
futuro, e a esperança da alma, arrebatada da terra, é projetada no céu e
ancorada naquelas coisas que nenhum olho viu, nem ouvido nenhum ouviu e que
nunca chegaram ao coração de homem nenhum. Neste novo clima, a esperança
torna-se a alma da vigília pascal. O mesmo ato de vigiar é interpretado como
símbolo da espera da vinda do Senhor que deve caracterizar toda a vida do
cristão. Escreve Santo Agostinho;- nesta nossa vigília nós não esperamos o
Senhor como se devesse ainda ressuscitar, mas renovamos com solenidade anual a
lembrança da sua ressurreição. Nesta celebração, no entanto, nós lembramos o
passado de modo que este nosso mesmo vigiar signifique também alguma coisa que
com fé nós fazemos na vida. Todo este tempo, de fato, no qual o século presente
passa á guissa da noite;- a igreja vigia com olhos da fé atentos nas
escrituras, como em velas que brilham na escuridão, até o dia no qual o Senhor
virá.
Nunca como se vê, Agostinho separa e
espera daquilo que será da lembrança daquilo que já foi. Também a alegria
pascal brota, para ele, juntamente destes dois movimentos da alma, e brota com
força;- quanta alegria, irmãos! Alegria em nos encontrarmos reunidos, juntos;-
alegria em cantar salmos e os hinos;- alegria na lembrança da paixão e da
ressurreição de Cristo;- alegria na esperança da vida futura. Se tanta alegria
traz a esperança, o que será a posse? Nestes dias, ao sentir ecoar a aleluia, o
nosso espírito é como que transfigurado. Não nos parece sentir o gosto de um
não sei o que daquela cidade do alto? Cada Páscoa aproxima a igreja da parusia
do Senhor, sem nunca separá-la do berço da redenção na qual nasceu. O DIA DA
PÁSCOA, escreve São Zenão de Verona, corre sem descanso para a velhice e, no
entanto, não se separa do berço onde nasceu.- ele é o herdeiro e pai dos
séculos;- é o dia que antecipa aquilo que será;- o dia que mais envelhece com o
passar dos anos, mais parece jovem pelo aproximar-se da meta.
Na esteira de Santo Agostinho, a
teologia pascal chegou a um equilíbrio jamais superado entre lembrança,
presença e espera na celebração da vigília pascal. A Páscoa que nós celebramos,
escreve um autor que se refere a ele, torna presente o passado e se projeta
para o futuro da ressurreição.
A celebração eucarística litúrgica
da Páscoa conservou viva no seio da igreja a tensão escatológica, mesmo depois
que a trepida da parusia transformou-se em confiante esperança da Páscoa
Eterna.
-------------------------------------------------------
Oremos;
Salvador Jesus, obrigado pela tua
proteção e companhia. Ajuda-me a conhecer-te mais a cada dia para que nos
momentos difíceis eu possa sentir todo teu amor e compaixão. Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário