segunda-feira, 5 de junho de 2017

A páscoa eterna;- Padre Raniero Cantalamessa.


 
 

            Passar para aquilo que não passa;- A Páscoa Eterna;- UMA PÁSCOA DE SUBIDA;- a tradição bíblica e patrística interpretou a idéia pascal da passagem de vários modos;- como passagem sobre (hyperbasis), como passagem através de (diabasis), como passagem para o alto;- (anabasis), como passagem para fora (exodus), como passagem para diante (progressio). A Páscoa é uma passagem sobre quando indica Deus, ou o seu anjo, que passa e sobrevoa, sem ferir, as casas dos hebreus no Egito- é uma passagem de quando indica o povo que passa do Egito para a terra prometida e da escravidão para a liberdade;- é uma passagem para o alto quando o homem passa das coisas daqui de baixo para as coisas lá do céu;- é uma passagem para fora, um êxodo, quando o homem sai da escravidão do pecado;- é uma passagem para diante quando o homem progride na santidade e no bem.

            Nesta última meditação, queremos refletir sobre a passagem para o alto. Orígenes diz que a Páscoa sempre faz subindo;- Jesus a celebrou na sala elevada e também o cristão deve subir para celebrar a Páscoa com ele. Ninguém que celebra a Páscoa como Jesus quer ficar no plano inferior. Trazemos mais uma vez á mente o conhecido dístico latino;- a história diz aquilo que aconteceu, a alegoria, o que se deve crer, a moral, o que fazer, a anagogia, para onde ir. A palavra anagogia quer dizer;- literalmente, movimento ou impulso para o alto, subida, ascensão. No uso cristão, esta palavra terminou reunindo em si todo o vasto campo do ainda não, diferente do já realizado na vida de Cristo e da igreja;- em outras palavras, a tensão escatológica da vida cristã.

            A anagogia tomou duas direções diferentes;- a especulativa, que consiste em uma reflexão teológica sobre as realidades últimas ( o tratado teológico sobre os novíssimos), ou a prática, que consiste em tender de fato para as coisas últimas, no ser constantemente orientadas para os bens eternos. Santo Agostinho ilustrou bem a diferença entre as duas coisas. Quando se quer atravessar um braço de mar, dizia, a coisa mais importante não é ficar parado na margem e perscrutar o horizonte para ver o que há na margem oposta, mas é subir na barca que leva aquela margem. Sabe-se quanta a tensão escatológica está presente nos discursos de Cristo e na comunidade cristã primitiva.

            A Páscoa Eterna;- a mesma eucaristia é celebrada na espera da sua vinda. Um olhar para a história nos ajudará a descobrir quando e como esta espera começou a fazer parte da celebração da Páscoa e nela marcou o clima e o conteúdo.

            Páscoa e espera;- São Jerônimo fala de uma tradição apostólica segundo a qual Cristo teria voltado durante a noite da Páscoa;- diz até que no seu tempo não era permitido, na vigília pascal, despedir o povo antes da meia noite, porque até aquele momento, segundo a palavra de Jesus, era sempre possível que acontecesse a volta gloriosa de Cristo. O primeiro testemunho desta tradição é de Latâncio, que escreve;- ESTA É A NOITE QUE NÓS CELBRAMOS COM UMA VIGILIA POR CAUSA DA VINDA DO NOSSO REI E DEUS. A RAZÃO DESTA NOITE É DUPLA;- PORQUE NELA ELE RECEBEU A VIDA DEPOIS DA SUA PAIXÃO E PORQUE NELA RECEBERÁ, UM DIA, O REINO DO MUNDO.

            Existiu, portanto, no cristianismo antigo uma tradição que ligava, também cronologicamente, Páscoa e parusia. Mas, já no fim do século II, o clima sobre este assunto tinha mudado. Da segunda vinda, ou da volta de Cristo, a atenção se desloca para a primeira vinda, isto é, a encarnação, do futuro para o passado. Para provocar esta mudança havia a heresia do docetismo e a tentativa perseguida pelo gnosticismo de esvaziar de significado os acontecimentos históricos da vida terrena de Cristo, reduzindo tudo á aparência. Neste clima, os autores cristãos do século II acham particularmente apropriada a escatologia de João do (já realizado), que situa o ponto decisivo da história não já na frente, no cumprimento do fim, mas no passado, no acontecimento fundamental da encarnação e da morte redentora de Cristo. COM ELA JÁ FOI INAUGURADA A ERA DO FIM. Memória e espera continuarão a estar ambas no coração da Páscoa cristã, mas o acento está decisivamente na primeira. A Páscoa, como a eucaristia, é essencialmente MEMORIAL da morte e ressurreição de Cristo. A espera da iminente volta de Cristo já toma a forma de uma orientação constante para as coisas lá do alto. Nasce a anagogia. Depois da alegoria que edifica a fé, e de moral que edifica a caridade, a anagogia edifica a esperança.

            Neste sentido, pode-se dizer que a vigília pascal cristã é uma liturgia da esperança. Seu objeto;- desde que tinha sido superada qualquer sugestão milenarista, é essencialmente ultra mundano. Para Orígenes, a Páscoa acontece quando são expostos os mistérios do século futuro, e a esperança da alma, arrebatada da terra, é projetada no céu e ancorada naquelas coisas que nenhum olho viu, nem ouvido nenhum ouviu e que nunca chegaram ao coração de homem nenhum. Neste novo clima, a esperança torna-se a alma da vigília pascal. O mesmo ato de vigiar é interpretado como símbolo da espera da vinda do Senhor que deve caracterizar toda a vida do cristão. Escreve Santo Agostinho;- nesta nossa vigília nós não esperamos o Senhor como se devesse ainda ressuscitar, mas renovamos com solenidade anual a lembrança da sua ressurreição. Nesta celebração, no entanto, nós lembramos o passado de modo que este nosso mesmo vigiar signifique também alguma coisa que com fé nós fazemos na vida. Todo este tempo, de fato, no qual o século presente passa á guissa da noite;- a igreja vigia com olhos da fé atentos nas escrituras, como em velas que brilham na escuridão, até o dia no qual o Senhor virá.

            Nunca como se vê, Agostinho separa e espera daquilo que será da lembrança daquilo que já foi. Também a alegria pascal brota, para ele, juntamente destes dois movimentos da alma, e brota com força;- quanta alegria, irmãos! Alegria em nos encontrarmos reunidos, juntos;- alegria em cantar salmos e os hinos;- alegria na lembrança da paixão e da ressurreição de Cristo;- alegria na esperança da vida futura. Se tanta alegria traz a esperança, o que será a posse? Nestes dias, ao sentir ecoar a aleluia, o nosso espírito é como que transfigurado. Não nos parece sentir o gosto de um não sei o que daquela cidade do alto? Cada Páscoa aproxima a igreja da parusia do Senhor, sem nunca separá-la do berço da redenção na qual nasceu. O DIA DA PÁSCOA, escreve São Zenão de Verona, corre sem descanso para a velhice e, no entanto, não se separa do berço onde nasceu.- ele é o herdeiro e pai dos séculos;- é o dia que antecipa aquilo que será;- o dia que mais envelhece com o passar dos anos, mais parece jovem pelo aproximar-se da meta.

            Na esteira de Santo Agostinho, a teologia pascal chegou a um equilíbrio jamais superado entre lembrança, presença e espera na celebração da vigília pascal. A Páscoa que nós celebramos, escreve um autor que se refere a ele, torna presente o passado e se projeta para o futuro da ressurreição.

            A celebração eucarística litúrgica da Páscoa conservou viva no seio da igreja a tensão escatológica, mesmo depois que a trepida da parusia transformou-se em confiante esperança da Páscoa Eterna.

 

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Oremos;       

 

            Salvador Jesus, obrigado pela tua proteção e companhia. Ajuda-me a conhecer-te mais a cada dia para que nos momentos difíceis eu possa sentir todo teu amor e compaixão.   Amém.

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