Depois desse olhar para a história,
coloquemo-nos o problema prático;- como viver hoje esta dimensão vertical da
Páscoa, que consiste em uma tensão para a Jerusalém celeste? Na idéia de Páscoa
está a idéia de passagem, de TRANSITUS;- esta palavra evoca alguma coisa de
passageiro, de TRANSITÓRIO, portanto, de negativo. Santo Agostinho percebeu
esta dificuldade e a resolveu de modo brilhante. Fazer a Páscoa, explicou,
significa, sim, passar, mas PASSAR para aquilo que não passa;- significa passar
do mundo, para não passar com o mundo.
Para reunir as potencialidades
contidas nesta definição da Páscoa, é preciso ter constatado uma vez,
lucidamente, a transitoriedade da vida. Um filósofo antigo, Heráclito,
expressou esta experiência fundamental com uma frase que ficou célebre;- PANTA
REI, ISTO É, TUDO PASSA. Acontece na vida como na tela da televisão;- os
programas se sucedem rapidamente e cada um cancela o anterior. A tela permanece
a mesma, mas as imagens que passam não mudam. Assim acontece conosco;- o mundo
permanece, mas nós nos vamos dele, uma geração após outra. De todos os nomes,
rostos, notícias que enchem os jornais e telejornais de hoje;- de mim, de você,
de todos nós – o que ficará daqui a alguns anos ou décadas? Nada de nada.
O homem não é senão um desenho
criado pela onda da praia do mar que a próxima onda apaga. Na tentativa de não
passar e de não morrer totalmente, agarramo-nos alguns á juventude, alguns ao
amor, alguns aos filhos e alguns a fama. NÃO MORREREI TOTALMENTE, exclamava o
poeta Horácio, erigi com as minhas poesias – um momento mais durável que o
bronze. Sim, mas para que lhe serve este monumento? Serve para nós, não para
ele. O homem é como um sopro, os seus dias como a sombra que passa, repete a
bíblia, e creio que, pelo menos neste ponto, todos estamos de acordo em lhe dar
razão.
No mesmo momento do nascimento
começa para cada um uma contagem regressiva que não pára um só instante, nem de
dia nem de noite. Em nossos conventos existiam antigamente grandes relógios de
pêndulo nos quais estava escrito, como para nos advertir;- vulnerant omnes,
ultima necat. Todas (as horas, é claro) ferem, a última mata.
Diante desta experiência de que tudo
passa, podem ser tomadas várias atitudes. Uma, muito antiga e lembrada na
própria bíblia, é a de quem fala;- COMAMOS E BEBAMOS, PORQUE AMANHÃ MORREREMOS.
Falando dos dias que precederam o dilúvio, Jesus disse;- todos comiam e bebiam,
homens e mulheres casavam-se. E nada perceberam até que veio o dilúvio e
arrastou a todos.
O que a fé tem a nos dizer a
respeito deste dado real de que tudo passa? O mundo passa, mas aquele que faz a vontade de
Deus permanece para sempre. Há, portanto, alguém que não passa, Deus, e há um
modo para que também nós não passemos totalmente;- fazer a vontade de Deus,
isto é, crer, aderir a Deus.
Uma das imagens mais freqüentes com
as quais a bíblia nos fala de Deus é a rocha. Ele é o rochedo, perfeita é a sua
obra. Percebi o que quer dizer com isto a palavra de Deus no dia em que, pela
primeira vez, vi de perto o monte Cervino.
Nesta vida, nós somos como pessoas
em uma jangada levada pela corrente de um rio impetuoso para o mar aberto, do
qual não há retorno. Em determinado ponto, a jangada vê que está próxima da
praia. O náufrago diz;- ou agora ou nunca mais! E puxa para a terra firme.
Que suspiro de alívio quando sente a
rocha debaixo de seus pés! É a sensação que tem freqüentemente aquele que chega
á fé. Eis o que quer dizer passar para aquele que não passa, passar do mundo,
para não passar com o mundo.
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PADRE
RAMIERO CANTALAMESSA, CAPUCHINHO, É PREGADOR OFICIAL DO VATICANO.
FICOU CONHECIDO NA ITÁLIA PELOS
PROGRAMAS DE TELEVISÃO E, NO MUNDO INTEIRO, COMO ANIMADOR DA RENOVAÇÃO
CARISMÁTICA.
É ESPECIALISTA EM PATROLOGIA.
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